Por: Adalberto Luque
Renata (nome fictício) se preparava para passar o final de ano dos sonhos. Desde setembro buscava opções de imóveis para locação de temporada no litoral paulista.
Foi num grupo do Facebook que ela viu o apartamento dos sonhos para passar o Réveillon com o marido e os quatro filhos, de 12, 11, 9 e 2 anos. “O imóvel oferecido ficava no Guarujá, de frente para a praia de Pitangueiras. No anúncio tinha o número de WhatsApp da pessoa que disse ser responsável pela locação”, lembra Renata.
As conversas começaram em setembro e se estenderam por algumas semanas, de forma tranquila. A pessoa, que se apresentou como Mariana, disse que cuidava do apartamento para os proprietários. Explicou que era preciso pagar 50% antecipado e que exigia um contrato de locação.
Renata perguntou como seria a entrada no apartamento, uma vez que viria com a família do interior. Indagou se seria possível alugar por dois dias, entre 27 e 29 de dezembro. Se as crianças se adaptassem bem, ficaria mais tempo. A locadora disse que não tinha problemas e que o imóvel não seria alugado para o Ano Novo, pois não daria tempo. Também disse que receberia pessoalmente a locatária na chegada para as férias.
Sobre usar a garagem no prédio, a mulher pediu que a interessada mandasse uma foto com a placa do carro da família para liberar a garagem nos dias do aluguel. Renata mandou a foto e resolveu “negociar”.
Perguntou se poderia entrar na noite de 28 de dezembro, pois iria para o Guarujá logo que saísse do trabalho, mas que deveria chegar entre 22h00 e 00h00. E também pediu para sair no dia 30 até o meio-dia.
Mariana teria informado que cobraria mais uma diária por isso. Houve negociação nas conversas tratadas pelo WhatsApp e ficou acertado que seriam cobradas apenas duas diárias, de R$ 130 cada. Mas pediu que mandasse o PIX da entrada imediatamente.
Feito o PIX, no dia 01 de dezembro e contrato na mão, era só esperar os dias que passaria com a família no prédio de frente para o mar no Guarujá. No dia 20 de dezembro, a locadora mandou mensagem dizendo ter errado. Informou que a dona do imóvel só autoriza o mínimo de três locações. A menos que Renata mandasse o PIX do valor restante antes de entrar no imóvel, ela teria que cancelar e devolveria o dinheiro.
Renata concordou. Mandou o PIX. E perguntou se no apartamento teria isopor para bebidas. “Temos um cooler, gelos de plástico e cadeiras de praia. Não precisa se preocupar”, disse. A interessada, mais uma vez, se tranquilizou.
Na véspera, mandou mensagem para saber combinar a chegada e não obteve mais resposta. Percebeu que havia sido bloqueada. Conseguiu ligar no prédio e soube que caiu num golpe. Menos mal é que não chegou a viajar. E, àquela altura, além do prejuízo, não conseguiu um único imóvel para locar no período. Passou a virada a centenas de quilômetros da praia.
Temporada de golpes
Com a chegada do verão, voltam à cena os golpes de falso aluguel para temporada. Assim como Renata, muitas outras pessoas acabam sendo lesadas com golpes.
Na maioria das vezes, os golpistas copiam fotos de imóveis que os verdadeiros locadores disponibilizam na internet. Justamente por isso, vários proprietários estão colocando marcas na foto, para tentar impedir o golpe.
Flávia (nome fictício) não tomou esse cuidado. Ela mora na Praia Grande, litoral Sul, nos fundos da propriedade. Na frente tem uma casa para alugar, com dois quartos, que pode acomodar até 10 pessoas, a apenas 50 metros da areia.
Um golpista viu as fotos do imóvel, publicadas num grupo de Facebook e as copiou. Sequer tomou o cuidado de mudar endereço que Flávia tinha deixado à vista. Criaram perfis falsos em nome de Ariane Silva e Taís Oliveira e anunciaram a locação.
“Mais de 30 pessoas tomaram o golpe e vieram até meu portão. Cheguei a perder minha cachorra pinscher no meio de uma confusão, porque o rapaz não aceitou que falei não ter sido eu que alugou a casa. No meio da gritaria, minha cachorra correu para a rua e foi atropelada. Ainda usaram minha foto nos perfis falsos. No ano novo bateram cinco famílias no meu portão”, lamenta.
Ela desistiu de continuar alugando o imóvel e colocou uma placa na porta da casa informando que o imóvel não está sendo alugado. Mas já teve que prestar depoimentos em delegacia. “É inacreditável como as pessoas não tomam cuidado”, conclui.
Temporada de virose
O número de vítimas é infinitamente menor do que o de pessoas que conseguem realizar o sonho de “pular as sete ondas” na virada de ano, nas praias. Entre os destinos mais populares pelos milhões de turistas, estão as praias do litoral sul (Peruíbe, Itanhaém, Mongaguá e Praia Grande) e da Baixada Santista: Santos, São Vicente e Guarujá.
Pois foram essas praias onde ocorreram milhares de casos de virose. A situação nos primeiros dias de 2025, chegou a preocupar as autoridades, pois muitos não conseguiram receber atendimento médico e enfrentaram a estrada de volta para casa ou até uma cidade onde pudessem ser atendidas.
Sônia (nome fictício) desceu para o litoral Sul no dia 28 de dezembro à noite. Foi para a casa da mãe, no Balneário Jussara, em Mongaguá. No seu carro foram ela, as duas filhas, o marido e a sogra. Na casa, estavam sua mãe e seu padrasto. Outra irmã foi com seu carro, junto com a filha e o genro.
“No dia 1º de janeiro, logo cedo, foi fila no banheiro. Tinha três pessoas de ‘piriri’”, brinca. Ela, a filha e o marido da sobrinha estavam com diarreia e vômito. Não conseguiram atendimento por convênio na cidade. Foram até o posto de saúde e não tinha previsão para serem atendidos.
“Tinha uma multidão de gente passando mal. Passamos na farmácia, compramos soro e medicamentos para a flora intestinal. Tomamos e comemos purê de batata e arroz. E resolvemos vir embora na madrugada do dia 2 de janeiro. Paramos em São Paulo, na casa de outra irmã e fomos para o hospital do convênio. Ficamos os três no soro”, lembra.
Morte
Se a família de Sônia conseguiu melhorar após deixar o litoral, o mesmo não ocorreu com Amanda Caroline Resende de Oliveira, de 29 anos, de Cristais Paulista, na região de Franca. A jovem havia retornado de uma viagem ao litoral – a praia não foi informada -, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde de Cristais Paulista.
No sábado (4/01) ela estava em uma chácara com amigos quando começou a passar mal, com sintomas de virose. Foi até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Cristais Paulista com sintomas de vômito e diarreia e, cerca de uma hora depois, morreu. A mulher teria dito a pessoas próximas que os sintomas começaram logo que havia chegado do litoral.
Seu corpo foi encaminhado ao Serviço de Verificação de Óbito (SVO) de Franca. A previsão é que o laudo seja divulgado até o final do mês e, até o momento, não está confirmado que sua morte esteja, de fato, relacionada ao surto de casos de virose gastrointestinal que estão ocorrendo no litoral paulista.
Explosão de casos
Os primeiros casos de virose foram registrados no Guarujá, ainda no dia 31 de dezembro. Em questão de horas, centenas de pessoas buscaram atendimento médico logo depois da virada do ano.
A situação ficou preocupante a partir do momento em que a estrutura de saúde não conseguia atender à demanda. Em pouco tempo os casos passaram a ser notados também em outras cidades, como Santos, São Vicente, Praia Grande e Mongaguá.
Em nota, a Prefeitura do Guarujá informou ter acionado a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) para investigar possíveis vazamentos e ligações clandestinas de esgoto na região da Enseada, que poderiam estar relacionados ao aumento de casos de virose na cidade.
De acordo com a Agência Brasil, o prefeito Alberto Mourão, de Praia Grande, disse que cerca de 7 mil pessoas foram atendidas nos três prontos-socorros da cidade nos dois primeiros dias do ano. Um aumento de 40% em relação ao mesmo período do ano passado. Através de nota, a Secretaria de Saúde Pública de Praia Grande informou que o aumento de casos estaria relacionado ao grande número de turistas que visitam a cidade nessa época do ano, com pico de cerca de 2 milhões de pessoas durante a virada do ano.
No dia 2 de janeiro, das 175 praias monitoradas pela Cetesb no estado de São Paulo, 38 estavam impróprias para banho. Mais de 5 mil pessoas haviam sido atendidas em Santos e São Vicente apenas nos primeiros dias de 2025. E a alta temporada ainda segue até o final de janeiro. Portanto, todo cuidado é pouco para não cair em golpes e para não ser vítima de virose e transformar as férias em pesadelo.
Nesta semana, amostras humanas de fezes coletadas nas cidades de Praia Grande e no Guarujá, pelo Instituto Adolfo Lutz, confirmaram que o surto de virose que atinge diversas cidades do litoral sul paulista foi provocado por norovírus. As noroviroses são um grupo de doenças de origem viral que são conhecidas como gastroenterite e normalmente são transmitidas por via fecal-oral.
Segundo a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, a norovirose é uma doença que dura em média três dias, provocando sintomas como náusea, vômito, diarreia, dor abdominal e, algumas vezes, dores musculares, cansaço, dor de cabeça e febre baixa.
Cuidado com os golpes
Como diz o ditado popular, “o barato sai caro”. Para evitar prejuízos e transtornos ao alugar um imóvel de temporada, alguns cuidados são essenciais:
– Consultar sites confiáveis;
– Redes sociais são as preferidas por golpistas;
– Consulte sites de reclamações para saber se existe alguma contra o site onde se está pesquisando;
– Visite o imóvel antes ou, se não for possível, vá até lá com o Street View, uma ferramenta do Google Maps, que permite verificar se o local está no endereço indicado pelo suposto locador;
– Busque referências de quem já alugou o imóvel antes;
– Prefira indicação de conhecidos que conhecem o anfitrião (locador) ou o local;
– Exija um contrato de locação, independente do período;
– Compare preços de locação e descritivo do imóvel;
– Não pague sem garantias e antecipadamente.
Evite ser vítima de virose
Com praias impróprias e grande concentração de turista, os riscos de surto de virose aumentam, como ocorreu no início de 2025, no litoral Sul de São Paulo. Para evitar correr riscos, alguns cuidados são fundamentais.
– Lavar sempre as mãos ao chegar em casa e após usar o banheiro;
– Evitar praias próximas a locais que despejam esgoto pela areia;
– Evitar praias impróprias para banho;
– Cuidado com o que consumir na praia: o gelo da caipirinha, o preparo de um alimento ou um copo mal lavado aumentam o risco de contaminação;
– Evite consumir alimentos gordurosos;
– Beba muita água (filtrada ou tratada);
– Em caso de sintomas, procure atendimento médico.