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Pra quem Zé Ramalho compôs ‘Avôhai’

Como já escrevi várias vezes, toda música tem sua história – e cada história! Faz alguns anos, fui cantar em Barbacena, cidade mineira que dista uns 500 quilômetros de Ribeirão Preto, mais ou menos. Não é o fato de ser longe, o que pega são as estradas terríveis que a gente risca até chegarmos a uma um pouco melhor. Quem conhece o trajeto sabe que quando se chega em um cruzamento, não há nada indicando qual destino tomar.

Numa destas arriscamos entrar a esquerda e “vamo que vamo”. Rodamos 30 quilômetros e de repente surge uma plaquinha: “Miraí a 500 metros”. Levei um tranco. Erramos o caminho, pois deveríamos ter entrado à direita. Tivemos que dar meia volta, embora minha vontade fosse de conhecer a cidade onde nasceu Ataulfo Alves, autor de “Meu pequeno Miraí”, que muitos chamam de “Professorinha”. Também é dele “Saudades da Amélia”, em parceria com Mario Lago. No­tei muitos laranjais na região, por todo o nosso caminho.

Contei este fato pra historiar outra música. Assisti a uma entrevista de Ataulfo Alves Junior, filho do ídolo consagra­do, e ele disse a Rolando Boldrin que quando seu pai fez sucesso e a grana veio melhorar a vida deles, o compositor comprou um carro e planejou uma viagem do Rio de Janeiro a Mirai, de onde havia saído ainda moço. Voltava agora com a esposa e os filhos.

Ao passar pelos laranjais, Júnior viu que seu pai parou na entrada de uma fazenda para pedir informações a um ca­valeiro, pois estava perdido. Ao entrar novamente no carro o menino Ataulfo falou: “Papai, vamos pegar umas laranjas pra chupar?” Seu velho, filosofando, respondeu: “Júnior, la­ranja madura na beira da estrada tá bichada ou tem marim­bondo no pé…”

Assim seguiram viagem. Passado algum tempo, já no Rio de Janeiro, viu seu pai cantando num programa de TV um samba que fez ele lembrar do “provérbio” dito pai naquela viagem, sobre a laranja e o marimbondo, e que era o refrão do samba “Laranja madura, na beira da estrada, tá bichada, Zé, ou tem marimbondo no pé”. Do papo com o filho Ataulfo Alves pai compôs este lindo samba.

Em uma das vezes em que Paulinho da Viola esteve em Ribeirão Preto, almoçamos com ele eu, Sócrates, Datena e Carlinhos Vergueiro. Na conversa o Magrão perguntou: “Paulinho, pra quem foi o recado da letra do seu samba ‘Argumento’?” E Paulinho, rindo, disse que quando Benito Di Paula estourou, ele tirou de seus sambas o cavaquinho, o pandeiro e o tamborim, e é verdade. O universo sambista não concordou e Paulinho aproveitou a deixa e mandou: “Olha que a rapaziada está sentindo a falta, do cavaco, do pandeiro e de um tamborim…”

“Avôhai”, de Zé Ramalho, é até interessante. Menino, Zé morava na Paraíba e em frente à sua casa havia um açude que seu pai atravessava nadando todas as tardes. Certo dia, afogou-se e faleceu. Na mesma época, sua avó também se foi. Zé Ramalho tinha 8 anos e foi criado pelo seu avô Rai­mundo. A música entrou em sua vida, ele formou um con­junto e saiu tocando por toda a região. Teve muitas brigas com seu avô – inclusive quando ele morreu já fazia algum tempo que não se falavam.

A vida foi em frente e Zé Ramalho, depois de tomar chá de uma planta parecida com cogumelo, teve visões, e nelas surgiram seu avô, como se quisesse lhe mostrar como era o lugar em que estava lá no céu. Na letra da música, Zé descre­ve exatamente como o viu: “Avôhai”. Avô e pai. Lindo, muito lindo, maravilhosa homenagem ao avô Raimundo que o criou: Avôhai”. Avô e pai.

Sexta conto mais.

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