Tribuna Ribeirão conversa com a mãe e amigas, que contam detalhes dos últimos tempos da vida da publicitária
Desde 28 de março, data em que falou com a filha Fernanda Aparecida pela última vez, a dona de casa Antonia Delarice vive um drama que parece não ter fim. Começou com o desaparecimento da filha, passou pela incerteza sobre o que teria acontecido com ela e culminou com a descoberta de que a publicitária havia sido assassinada pelo próprio companheiro, o empresário Otávio Rodrigo Dias da Silva. Ambos tinham 36 anos.
Entretanto, a descoberta do que aconteceu com a filha não colocou fim ao desespero da família e nem conseguiu responder à pergunta que a mãe de Fernanda tem feito sem parar desde que descobriu quem era o assassino: “Por que ele matou minha filha ?”. A dúvida de Dona Antonia faz sentido. Isso porque, depois de matá-la a facadas – no dia 30 de maio –, e levar o corpo até um canavial próximo a Rodovia Anhanguera, na cidade de Jardinópolis, onde colocou fogo nele, Silva desapareceu. Só foi encontrado no domingo passado, 13 de maio, morto com um tiro na cabeça em um dos quartos do Grande hotel, na Vila Tibério.
As investigações da Polícia Civil revelaram que ele cometeu suicídio e que havia se hospedado no local cinco dias antes de tirar a própria vida. Segundo funcionários do hotel, Otávio era arredio, conversava pouco e quando falava dizia apenas que estava esperando resolver alguns problemas para ir embora. A Delegacia de Investigações Gerais (DIG) até que tentou descobrir a razão para o assassinato, mas o suicídio do empresário colocou mais incertezas sobre o caso. Na única mensagem que Otávio Silva enviou para um grupo de amigos no WhatsApp, antes de se matar, ele não revelou o motivo pelo qual assassinou de forma tão violenta sua esposa.
Preferiu descrever suas mazelas, dizer que era incompreendido e jogar a culpa na bebida alcoólica para justificar suas atitudes. “Somente nunca tive reconhecimento, carinho e amor… A bebida entrou de vez em mim, bebo o dia todo e todos os dias. Virei isso que vocês presenciaram”, escreveu em um trecho da mensagem. No texto o empresário também fez questão de isentar de cumplicidade no crime o funcionário de sua empresa de entregas, Raphael Luiz Pinheiro. Foi ele, segundo a Polícia Civil, que ajudou Otávio Silva a retirar o corpo de Fernanda da casa onde ela foi morta e transportá-lo enrolado em um tapete.
Em depoimento à Polícia Civil, Pinheiro garantiu que em nenhum momento ouviu do assassino alguma explicação sobre o motivo pelo qual ele teria matado a esposa. Também negou que foi com Otávio Silva até o canavial, pois no meio do caminho desistiu da empreitada e desceu do veículo. Ao concluir o inquérito, o delegado Cláudio Salles Júnior, responsável pelas investigações, indiciou o empregado por ocultação de cadáver. Se for condenado poderá pegar até três anos de cadeia. Já o empresário responderia por feminicídio e pegaria uma pena entre 12 e 30 anos de prisão. Sobre os motivos pelos quais Otávio Silva teria se matado, o delegado Cláudio Salles Júnior é enfático. “Em nenhum trecho da mensagem ele se mostrou arrependido. Na verdade, acredito que se matou porque sabia que seria preso e condenado a muitos anos de prisão”. Afirma.
Uma moça alegre – Filha de uma família composta por mais dois irmãos – Eder, o mais velho, e Ludmila, a caçula –, Fernanda Aparecida Delarice sempre foi uma pessoa muito expansiva. Quem a conheceu e conviveu com ela garante que antes de namorar e ir morar com Otávio, era uma pessoa alegre, extrovertida e cheia de sonhos. Mas, que depois de algum tempo de relacionamento com Otávio, se transformou em uma pessoa que, na maioria das vezes, estava com semblante triste. O motivo, segundo os amigos, seria o ciúme exagerado do esposo. Fernanda e Otávio Rodrigo Dias Silva viveram juntos durante quatro anos.
A publicitária Bruna Fernanda Silva foi uma das pessoas que assistiram esta transformação. Moradora em Sertãozinho – cidade onde Fernanda morou com os pais até se mudar para Ribeirão Preto –, ela relembra momentos marcantes que viveram juntas. Como por exemplo, a alegria em 2013, por ingressarem no curso Publicidade e Propaganda e as brincadeiras e conversas que tinham no ônibus que as levavam diariamente de Sertãozinho até a faculdade em Ribeirão Preto. “Éramos muito amigas e confidentes. Mas, depois que ela foi morar com o Otávio as coisas mudaram bastante”, explica Bruna. Ela e Fernanda se formaram em Publicidade e Propaganda.
Entre as mudanças citadas por Bruna está, por exemplo, a determinação dada por Otávio para que Fernanda bloqueasse todos os amigos do sexo masculino do seu Faceboock e que evitasse encontrar e conversar com amigos homens. Na época, segundo Bruna, Fernanda bloqueou os amigos para evitar brigas. O exemplo mais público deste comportamento aconteceu em 2016, durante um churrasco realizado pelos alunos da faculdade onde Fernanda estudava.
Durante a festa ele acabou lhe agredindo. A agressão foi parar na Delegacia de Polícia Civil, onde Fernanda registrou boletim de ocorrência. “Desde essa época meus contatos com ela passaram do mundo real para o virtual feito através do Facebook e do WlahtsApp”, diz Bruna que tinha um bordão recitado todas as vezes em que elas se comunicavam: “Amigas até depois do fim”.
Para a mãe de Fernanda, nos últimos meses, a tristeza da filha era visível. “A Fernanda sempre foi uma menina dedicada, alegre e interessada. Mas, ultimamente quando ela vinha nos visitar quase sempre passava a impressão de estar triste. Parecia que estava escondendo algo da gente”, afirma Dona Antonia. Ela afirma que no começo do relacionamento o genro até era acessível, mas depois de um tempo tornou-se distante.
Dona Antonia conta também que, em dezembro de 2017, Fernanda pediu para arrumar o quarto que era dela quando solteira, pois queria voltar para casa dos pais em Sertãozinho. Preocupada com a segurança da filha, Dona Antonia resolveu alugar a casa em que residia e se mudar para um apartamento num condomínio. “Fiz isso, arrumei o quarto dela e fiquei esperando minha filha, mas ela não veio. Resolveu esperar mais um pouco”, completa.
Pessoas próximas a Fernanda especulam que a espera para colocar um ponto final no relacionamento pode estar ligada a fatores financeiros, já que parte dos negócios do empresário estava em nome dela. Segundo eles, ela poderia estar aguardando o empresário regularizar eventuais dívidas existentes em seu nome para poder recomeçar sua vida.
Na mensagem em que deixou Otávio Silva admite utilizar o nome da esposa e de outras pessoas em transações comerciais ao escrever: “... como todas as motos e o carro que está (sic) no nome de Fernanda Delarice porque eu usava o nome dela”. Para os pais de Fernanda restou o quarto vazio, uma pergunta sem resposta e a dor pela morte precoce e violenta da filha.
Mensagem pouco antes do suicídio
Antes de ser encontrado morto, o empresário Otávio Rodrigo Dias da Silva, de 36 anos, enviou para um grupo de amigos uma mensagem de WhatsApp em que assumiu o assassinato de sua mulher, Fernanda Aparecida Delarice. Na mensagem, além de assumir a morte da esposa, ele admite ter levado o corpo para um canavial as margens da Rodovia Anhanguera e ter colocado fogo nele. A seguir, os principais trechos da mensagem em que ele fala de seus grandes amores. Fernanda não é lembrada por Otavio como sendo um deles.
“Só quero que vocês não se lembrem desse monstro que se foi e sim da pessoa que sempre fui. Não vou ficar aqui fazendo de bonzinho, o que eu nunca fui. Somente nunca tive reconhecimento, carinho e amor… Sempre fui uma pessoa difícil e controladora querendo que as pessoas quisessem o que eu queria. Agora tenho certeza que estava errado mais não tem mais volta o que está feito está feito. Tive quatro amores descomunais em minha vida ao longo desses 36 anos.
Alex, o cãozinho – Vou ser bem sincero não gostava de cachorros principalmente esses de madame. Mais um dia jogando bola na quadra do Adauto, vi que ele mexia com venda de pets e como meu relacionamento com a Andréia (Andréia foi sua primeira esposa) não andava tão bem resolvi comprar esse merdinha. Foi amor à primeira vista quando eu vi aquela bolinha de pelo com as orelhas com esparadrapo meu coração não agüentou: quis ele… Esse merdinha era minha vida, ia pra veloz (empresa de entregas rápidas dele), shopping, academia, passear nas casas das mulheres, até em motel ele nadou em banheira…
São Paulo Futebol Clube – Nem preciso falar do meu amor por esse time, fui muito feliz tive varias e varias alegrias e poucas tristezas. Sou muito grato de poder ter passado uns dos meus melhores momentos da minha vida com meu amigo Du quando fomos campeões da Libertadores no Morumbi.
A empresa Veloz – Fevereiro de 2008 e o começo do meu amor e a minha total dedicação à essa empresa que foi minha vida até os dias atuais. Acabei com dois casamentos, acabei com meu nome e mais nomes de pessoas… A todos vocês eu peço um milhão de desculpas por meus erros administrativos e também por não conseguir reaver nossos melhores momentos como o de 2011/2012 quando a Veloz voltou a ser a melhor empresa de entregas de Ribeirão e região.
O poder – Cara, não sei explicar. Depois da empresa entrar nos eixos em 2010 fiz uma redução do estômago e emagreci mais ou menos 90 quilos. A empresa começou a ter crédito bancário e muitas coisas começaram a mudar. De um trabalhador comum e gordo, comecei na verdade a ser empresário e comecei a ser um pouco bonitinho e minha carteira também começou a ser bonita. Aí sem falso moralismo me perdi totalmente. Mulheres, bebidas, noites de farra sem comprometimento com a Veloz.
Conheci varias pessoas que não somaram nada na minha vida e também pessoas que não eram tão certas e comecei a fazer muitas coisas erradas para manter meu padrão de vida. Errei muitas vezes, cai e levantei, cai novamente e não consegui levantar. O poder foi diminuindo mais eu sempre querendo ser o maioral, meu erro. A bebida entrou de vez em mim eu bebo o dia todo, todos os dias e virei isso que vocês presenciaram. Peço desculpas as pessoas que decepcionei.”
Opinião de especialista
‘Solitário e perturbado’
Guilherme Davoli *
Buscar uma explicação precisa para um suicídio é algo praticamente impossível, já que não temos como mensurar os sentimentos de cada pessoa, diante de sua própria história. Mas, em se tratando da interpretação de uma carta de despedida deixada pelo suicida, o que realmente chama nossa atenção é o fato do mesmo apontar a solidão e a perda do poder como sendo molas que impulsionaram sua atitude.
mesma solidão e busca pelo poder que cada vez mais observamos em nossa sociedade, especialmente nos mais jovens que, quanto mais conectados em um mundo que os impulsiona na busca do perfeccionismo, tornam-se frágeis diante de qualquer fracasso. E optam, diante dessas perdas, por comportamentos explosivos (agressão ao outro) ou implosivos (autopunição quer física e/ou emocional, dependência de drogas e bebidas).
Neste caso específico é importante observar que a não referência, em nenhum momento, a mulher que ele assassinou demonstra o quanto as suas perturbações internas são mais significativas para ele do que a própria relação com a esposa morta. Infelizmente, nos últimos anos temos observado um aumento bastante significativo desse “vazio” resultante da dificuldade de conviver com as perdas que sempre existiram em nossa sociedade.
O que será que podemos aprender com essa carta?
Qual será a próxima notícia a nos assustar?
* Psicólogo, psicoterapeuta, professor de psicologia e consultor empresarial e educacional