Ao se deparar com o termo “parto humanizado”, a maioria das pessoas fica em dúvida em relação ao seu significado e muitos equívocos são comuns. Algumas pessoas acreditam que é o parto que acontece fora do hospital ou que acontece na água. Na verdade, o conceito de humanizar o parto e o nascimento é muito mais amplo e pode ser sintetizado dentro de três pilares:
• respeito ao protagonismo da mulher e suas preferências, entendendo o parto como um evento social e humano, e não somente médico;
• individualização de conduta, com indicação e uso de intervenções apenas SE e QUANDO necessário, e não de forma rotineira;
• assistência atualizada e baseada em evidências científicas, que devem orientar o trabalho e as decisões da equipe.
Dessa forma, podemos concluir que a humanização não se refere a um tipo especial de parto, mas a um tipo de assistência prestada: especializada, atualizada, mas também respeitosa e acolhedora. O parto, embora aconteça quase sempre em ambiente hospitalar, não é um problema de saúde a ser “curado”. Não há, na maioria expressiva dos casos, risco de vida iminente.
É importante que haja assistência especializada por médicos, enfermeiros e obstetras, mas é perfeitamente possível e benéfico entender quais são as preferências e escolhas da mulher naquele momento: liberdade de se alimentar e movimentar, ambiência calma e tranquila, recursos para alívio da dor disponíveis, presença de acompanhante e de profissionais de suporte, como doulas e fisioterapeutas, e livre posicionamento para o parto são algumas das escolhas perfeitamente possíveis e acessíveis e que não comprometem a segurança do processo.
Além disso, por parte da equipe, é importante atualizar-se e entender o parto como um evento fisiológico, sem intervenções e medicalizações rotineiras que podem ser potencialmente prejudiciais. Esse modelo de assistência é defendido e orientado por órgãos internacionais, como OMS (Organização Mundial de Saúde) e Unicef, bem como pelo Ministério da Saúde.
No entanto, para que se torne realidade para todas as mulheres e bebês, é necessário mudar toda uma cultura de medicalização do parto e a crença de que partos cirúrgicos, conhecidos como cesáreas ou cesarianas, são melhores, mais seguras ou mais fáceis. Não se trata de ir contra a necessidade ou escolha pela cesárea, mas de mostrar seus riscos quando não há indicação precisa para sua realização.
Para se ter uma ideia, um dos principais fatores que tem dificultado a redução de mortes maternas no Brasil é justamente o alto índice de cesáreas feitas sem real indicação, trazendo riscos desnecessários a mulheres e bebês. Nossos números de taxas de cesárea colocam o país no perigoso segundo lugar mundial, o que significa intervenções excessivas em mulheres e bebês, que são privados dos comprovados benefícios do trabalho de parto e têm aumentado o risco de prematuridade, morte materna e óbito neonatal.
Humanizar a assistência é, portanto, lutar pela qualidade e segurança da vida de mulheres e bebês, e um assunto essencial na agenda política de todo município. Foi nesse contexto que criamos, em 2013, o Pacto Municipal Social pela Humanização da Assistência ao Parto de Ribeirão Preto: discutir, debater, avaliar e promover a qualidade da assistência prestada em nosso Município, pela visão de profissionais e de usuárias/os do sistema de saúde público e suplementar.
No âmbito do Pacto surgiram propostas que, após levadas na forma de PL ao plenário, se converteram em legislações municipais: Lei n° 13.885, a “Lei do Parto Humanizado”, Lei n° 14.444, a “Lei das Doulas” e Lei n° 14.445, a Lei de “Diretrizes para Casas de Parto”.
Sobre as doulas, é de reconhecimento amplo que sua presença é uma estratégia de humanização do parto e do nascimento, e sua atuação é reforçada como importante e desejável pela Rede Cegonha, iniciativa do Governo Federal.
Ao oferecer suporte contínuo na forma de apoio informativo, emocional e físico, desde a gestação, durante o parto e no pós-parto, as doulas contribuem para desfechos mais positivos, tanto do ponto de vista de redução de intervenções, incluindo as cesáreas, quanto da perspectiva de uma experiência mais positiva para a mulher.
São várias as referências internacionais que se mostram favoráveis à inclusão de doulas nos serviços de saúde, como forma de implementar ações voltadas à redução da mortalidade materna e neonatal.
Há também componentes de alta relevância ecológica e econômica, como mostra a advogada Carolina Reis: cada cesariana consome 40 itens descartáveis, 10 deles esterilizados a partir de químicos poluentes ou de equipamentos que precisam de um alto consumo de energia para funcionar.
Aumentar partos naturais dará melhor destino a esses gastos, notadamente no setor público, onde a população continua desatendida em muitas necessidades básicas, além de preservar os já escassos recursos naturais.
Nosso Pacto Municipal Social pela Humanização da Assistência ao Parto continuará seu trabalho de educação e mudança de cultura para o saudável aumento dos partos naturais, buscando os níveis ostentados pelos países desenvolvidos e com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) superiores ao brasileiro.