Pirenópolis não é conhecida somente por ser a terra natal da dupla sertaneja Zezé Di Camargo e Luciano. A cidade histórica do interior de Goiás, de 292 anos e cerca de 24 mil habitantes, é marcada também por cachoeiras, ladeiras e morros. Há 10 anos, o típico cenário atrativo para fãs de mountain bike conquistou Raiza Goulão. Um dos principais nomes do ciclismo brasileiro, ela está de volta a Piri, onde nasceu e tudo começou, para não ficar parada mesmo em isolamento devido à pandemia do novo coronavírus (covid-19).
“Eu estava em Itajubá (MG). Voltei para a cidade da minha família, que é bem pequena, de interior, então eu consigo manter uma rotina de treinos praticamente normal. Tive o suporte de uma academia, que me emprestou barras e aparelhos”, conta Raiza à Agência Brasil.
Com os pais acima dos 60 anos (portanto, no grupo de risco da covid-19), a ciclista teve que adaptar a rotina além do esporte. “Quando cheguei, fiz uma quarentena. Tem duas suítes no fundo do quintal e era lá que eu dormia. Meu contato com eles era sempre à distância. Minha mãe preparava a comida e eu comia fora de casa. A vasilha era lavada à parte e desinfetada”, relata a goiana de 29 anos.
A pausa nas competições devido à pandemia se dá no momento que Raiza reencontrava a melhor forma após um 2019 complicado. Entre junho e julho, além de problemas respiratórios, a ciclista foi diagnosticada com Deficiência de Energia Relativa no Esporte (RED-S, na sigla em inglês). É uma síndrome que se dá quando a energia disponível para ser gasta nos exercícios não é capaz de assegurar a parte fisiológica do atleta, podendo influenciar o metabolismo e a imunidade da pessoa.
“Quando voltei da Copa do Mundo na França, tive uma crise muito forte de asma e isso me impossibilitou bastante. Não sabia se disputaria o campeonato nacional. Disputei, mas tendo as crises”, recorda Raiza, que, junto da equipe multidisciplinar com a qual trabalha, decidiu se ausentar de alguns torneios, entre eles o Mundial de mountain bike, no Canadá, mesmo que isso custasse pontos no ranking mundial, decisivo na briga por vaga na Olimpíada de Tóquio (Japão). “Tirei um mês e meio para me recuperar e me preparar. Não foi uma recuperação 100%, como seria o ideal, de três meses, devido ao ciclo olímpico. Mas, depois, conseguimos tirar o fim do ano passado para cuidar do corpo, da mente e da saúde”, explica.
A retomada veio em 2020. Nos quatro primeiros eventos, na Europa, Raiza chegou entre as 10 primeiras. Já nas provas seguintes, em Araxá (MG) e Amparo (SP), a goiana saiu vitoriosa. “Passei quase um mês lá fora para ganhar ritmo. Precisava competir em alto nível. Então, sabia que seria duro, difícil, ter resultados expressivos, mas precisava daquele ritmo, do contato com os outros atletas”, explica. “Vim de um ano com muitos desafios e amadureci como profissional e pessoa. Consigo, aos 29 anos, ver a vida e a carreira com outros olhos”, completa.
Raiza não sabe quando voltará a competir. A União Ciclística Internacional (UCI) anunciou nesta quarta (15), Dia Internacional do Ciclista, que estendeu a suspensão de seus eventos até pelo menos 1º de junho. Enquanto isso, segue as orientações da equipe para se manter livre da síndrome que a atrapalhou em 2019, ainda mais em época de coronavírus. “A alimentação tem sido muito saudável. Aumentou o período de descanso e recuperação diante de treinos mais fortes para não deixar a imunidade cair e tenho feito exercícios de respiração diariamente para fortalecê-la. Além do contato, que tem sido bem restrito”, declara.
Disputa olímpica
A disputa do mountain bike nos Jogos de Tóquio terá 38 atletas por gênero, sendo 30 deles ciclistas das nações mais bem colocados no ranking mundial. Em quarto no masculino, o Brasil terá direito a duas vagas. Já no feminino, como o país está em 17º, terá direito a uma só representante. Inicialmente, seriam levados em conta resultados entre 28 de maio de 2018 e 27 de maio deste ano. Com o adiamento da Olimpíada para 2021, a UCI ainda não divulgou se haverá mudança nos critérios.
Raiza é, atualmente, a segunda brasileira melhor colocada no ranking individual da modalidade. Em 47º lugar, está nove posições atrás da experiente Jaqueline Mourão, primeira atleta a representar o país na modalidade em uma Olimpíada, nos Jogos de 2004 em Atenas (Grécia), e que em 2018 retornou ao ciclismo após 10 anos se dedicando ao esqui cross country e competindo nos Jogos de Inverno.
Em 2016, a goiana de Pirenópolis (que há dois anos chegou a ser top-10 mundial) foi a representante do Brasil no Rio de Janeiro. “A minha primeira Olimpíada foi a maior experiência. Cometi alguns erros, acho que por me sentir um pouco amadora em um evento de tanta magnitude. Mas esse ano venho lutando comigo para recuperar minha forma e lutando muito para buscar essa vaga. Agora, com um ano a mais, vou com unhas e dentes para dar meu melhor em Tóquio”, encerra.
Edição: Fábio Lisboa