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Poluição luminosa apaga o céu noturno 

Perci Guzzo *
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Confesso que fiquei preocupado com os vários potentes holofotes em diferentes direções no céu noturno da Serra da Canastra. Uma profusão de novas edificações e luzes em meio ao meio natural. Luzes distantes, mas potentes. Diferente das luzes singelas que conheci naqueles arredores nas décadas anteriores à atual.Nem faz tanto tempo assim, pois estive pela última vez na Canastra em 2017. Pousadas, bares e complexos turísticos em franco crescimento.Quais os cuidados com o hábitat das muitas espécies de animais silvestres? Pensei nas corujas, nos morcegos, nos tamanduás e nos vaga-lumes…

Soube de orelha que as iniciativas comerciais que se instalam na Serra da Canastra são predominantemente de Franca e Ribeirão Preto. Estaríamos exportando nossos excessos urbanos para os ambientes naturais?

Por aqui o serviço de iluminação pública acaba de ganhar novos responsáveis. A Conecta RP (Ribeirão Preto) formada pelas empresas High Trend Brasil Serviços e Participações Ltda, Green Luce Soluções Energéticas S/A, Proteres Participações S/Ae Severo Villares Projetos e Construções, venceram o leilão da Parceria Público-Privada na Bolsa de Valores de São Paulo. Somos 330.000 consumidores em RP que passaremos a ter vínculo com a nova concessionária e não mais com a CPFL.

Está previsto um plano de modernização do sistema de iluminação com a substituição de 80.000 lâmpadas. Confesso que também estou preocupado com isso; não com o escuro, mas com o excesso de claridade. Os argumentos de reduzir consumo de eletricidade, maior durabilidade, menor emissão de calor e melhor fidelidade de cores devido a substituição de lâmpadas de mercúrio (convencionais) por LEDs – light-emitting diode, procede. Ótimo!

Já o argumento de diminuir a criminalidade a partir de maior intensidade de luz artificial, há controvérsias. O aumento do contraste entre áreas claras e escuras e a ampliação de feixes de luz intensos provocam o ofuscamento que são manchas no campo de visão.Assim, não necessariamente iluminar muito diminuirá os índices de criminalidade, mesmo porque as causas deste problema são bem diurnas: desemprego, fome, exclusão social, problemas psicológicos, entre outros.

A Associação Internacional de Céus Escuros, criada por médicos e astrônomos, chama atenção para o clareamento do céu noturno a partir de uma névoa espessa de brilho artificial. Esse efeito nos impede de observar estrelas, a lua e outros fenômenos cósmicos. Também alertam para a luz intrusa que incide em locais que não deveria iluminar – brechas de janelas, por exemplo, e os canhões de luz usados em eventos sociais. Tudo isso têm consequências em nosso sono e em nossa saúde.

Há estudos epidemiológicos que associam luz artificial noturna a risco de transtornos depressivos.

A biodiversidade também é muito afetada. O desaparecimento dos vaga-lumes, o decréscimo das populações de morcegos e os impactos negativos às aves de hábito noturno são demonstrados por estudos científicos. Estes também indicam que a posição, a coloração e a quantidade de lâmpadas, bem como a intensidade de luz emitida, podem ser projetadas de modo a impactar menos os animais silvestres urbanos.

Diante do que é sabido, mesmo que muitos não saibam, a poluição luminosa não deve ser negligenciada. Por isso, sugere-se que a modernização da iluminação pública das cidades brasileiras, inclusive a de Ribeirão Preto, passe por processo técnico de licenciamento ambiental. Sejamos prudentes com nossa saúde e com todas as formas de vida.

Estrasburgo na França diminuiu 10% do consumo de eletricidade a partir da diminuição progressiva da iluminação na madrugada, da supressão de iluminação em edifícios públicos e da redução de iluminação no período pré-natalino.

Iluminar outdoors a noite toda é uma insensatez! Não é mais tempo de esbanjar. Lembremos de Gandhi: a natureza produz o suficiente para satisfazer nossas carências e nossa sobrevivência, mas não o desperdício.

* Ecólogo e Mestre em Geociências. Autor do livro “Na nervura da folha”, lançado em 2023 pelo selo Corixo Edições 

 

 

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