Tribuna Ribeirão
Artigos

Poesias, romances e perdas 

Edwaldo Arantes *
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Imensa tristeza ao saber da perda do querido amigo, escritor, poeta e ensaísta Affonso Romano de Sant’Anna. Recentemente nos despedimos de sua esposa, nossa querida amiga Marina Colassanti. Abalado pelas ausências, vamos nos despedindo de pessoas muito especiais abrindo lacunas na cultura nacional. Uma pena, parodiando outro amigo muito querido, Deonísio da Silva: “O problema que só está morrendo, gente de cá.” Triste. Este texto, publicado neste Tribuna no dia 6 de março, é uma homenagem a Affonso e Marina.

De todos os cargos na Prefeitura Municipal, a Presidência do Instituto do Livro foi sem dúvida a mais inesquecível, um convívio apaixonado entre literatura, escritores, salas de leitura e o maravilhoso mundo do livro.
Muitos momentos onde as histórias ficaram gravadas, geniais e memoráveis, pasmem, outras inacreditáveis, meu coração palpita batendo descompassado a cada lembrança.
Recentemente recebi mensagem do querido e eterno amigo, brilhante intelectual, talentoso romancista, emérito professor, Deonísio da Silva, autor de vasta obra, como,  “De onde vêm as palavras”.
Um vocábulo breve e triste comunicando o falecimento da nossa amiga Marina Colasanti, abalado lembrei-me da nossa amizade, conheci-a no Rio de Janeiro juntamente com o marido, o poeta e ensaísta, Affonso Romano de Sant’Anna.
Tento reviver e relatar um acontecimento lírico, entretanto inusitado.
Éramos parceiros de um Instituição em um projeto de autoria do consagrado escritor Menalton Braff convidando destacados escritores em conversas sábias e cativantes, quem perdeu nunca mais terá, quem participou jamais esquecerá.
Em uma dessas jornadas a honrosa presença do talentoso casal, fomos ao aeroporto recepcioná-los em uma linda manhã azul, entre abraços e mesuras rumamos ao hotel, o charmoso, Holiday Inn.
O trajeto foi coroado de envolventes e agradáveis conversas, também “causos”, Affonso é mineiro de Belo Horizonte.
Enquanto o casal saboreava um cafezinho dirigi-me à recepção, o atendente solícito iniciou o check-in pesquisando, procurando e sem graça chamou a gerência avisando não existir reservas.
Comecei a transpirar frio, ficamos sabendo que o funcionário da associação parceira não havia providenciado, esqueceu-se.
A gerente, uma bela jovem daquelas capazes de fazer com que todos os perdões sejam concedidos, infelizmente não ajudou naquele momento dramático chocando-nos ainda mais, não havia nenhuma vaga disponível, o contrato da entidade era somente com aquele estabelecimento.
Diante do constrangimento geral liguei a um amigo que aqui faço questão de nomear e agradecer, José Roberto Pereira Alvim, empresário e proprietário do suntuoso Hotel Araucária.
Atendeu-me imediatamente, apavorado narrei o acontecimento.
– Edwaldo, Ribeirão Preto não vai passar constrangimento, uma honra tê-los em nossas dependências.
A tensão foi aumentando, o hotel estava fora dos custos autorizados pelo poder público em virtude de sua categoria luxuosa, principalmente as suítes que destinamos aos convidados.
Minha preocupação apenas aumentava com o custo das diárias e não conseguia vislumbrar como arcar com os valores, principalmente com o restaurante internacional.
O trajeto até o hotel foi o mais longo da minha existência, contando o voo Guarulhos/Adolfo Suárez, Barradas, Madri, segui silencioso e taciturno, circunspecto como em um velório, todavia disfarçando, demonstrando apenas contida felicidade.
O encontro foi um sucesso, aplausos efusivos de dez minutos em pé diante do brilho e imenso talento dos dois, ao retornarmos estava calmo como um remanso.
Foi o jantar e a noite mais iluminada que vivi, em um passe de mágica esqueci valores e a total impossibilidade em solvê-los.
Entre palavras e vinhos, Affonso com gentileza e garbo peculiares confessou-me apreciar meus textos destacando um dirigido aos “moradores de rua”, abandonados e jogados à própria sorte nas selvas de pedra de um capitalismo selvagem.
Convidou-me a escrever um livro a quatro mãos, aturdido e perplexo, apenas balbuciei um sim acanhado.
Confesso que acreditei estar sonhando, depois de muitas taças na companhia de um “filet au poivre”, nos abraçamos com um efusivo boa noite. 
Dirigi-me à recepção sacando meu talonário de cheques absolutamente desprovido de receitas, tendo a certeza que retornaria com aquele embaraçoso carimbo, “sem fundos”.
Com um olhar discreto, a linda recepcionista com um leve sorriso quase imperceptível, em voz suave, informou: cortesia da casa, inclusive a estada.
Infelizmente a vida cruzou outros caminhos, o livro não ocorreu, ficando a saudade deles.
Querida e inesquecível Marina Colasanti, romancista, contista e artista plástica, pois é:
“Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia”.

* Agente cultural 

 

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