Por Caio Nascimento, estagiário sob supervisão de Charlise Morais
“Ouvir histórias é viver um momento de gostosura e de prazer. É encantamento e sedução”. A frase da pedagoga brasileira Fanny Abramovich ilustra bem um dos motivos para os podcasts terem se tornado uma febre nas últimas duas décadas. Com narrativas atraentes e relatos que mexem com a imaginação, as horas dedicadas à escuta desse tipo de conteúdo, no Spotify, aumentaram 200% no quarto trimestre de 2019 em relação aos três meses anteriores. E esse sucesso se deve não só aos adultos, mas também às crianças.
Um exemplo desse fenômeno infantil é o podcast “Era Uma Vez”. Com histórias que transmitem valores e aprendizados – como amizade, respeito à diversidade, empatia e educação alimentar -, os episódios já tiveram mais de 60 mil downloads em pouco mais de um ano de existência e conquistam pais e mães como Mônica Mourão, que estimula a filha Júlia, de cinco anos, a sempre ouvir os novos capítulos.
“É uma boa maneira de trazer assuntos importantes para a criação da minha filha, porque vejo a oportunidade de inserir temas na vida dela”, explica Mônica. “Enxergo também o podcast como uma forma de ensinar desde cedo para a Júlia um jeito saudável de lidar com os celulares”, completa.
Seguindo essa linha de raciocínio, Carol Camanho, criadora do “Era Uma Vez”, afirma que evita mostrar a tela dos eletrônicos aos seus filhos Nicolas, de seis anos, e Amanda, de dois, para não limitar a criatividade dos dois. “O podcast é interessante para a criança pela desvirtualização que ele oferece. Sem vídeos (ou outros recursos visuais multimídia) elas soltam mais a imaginação, pois criam suas próprias imagens daquilo que estão ouvindo”, analisa.
Carol costuma adaptar contos clássicos, como Chapeuzinho Vermelho, Robin Hood, João e Maria, Cinderela, Pinóquio e lendas do folclore brasileiro.
A podcaster também cria narrativas inspiradas nas suas experiências com os filhos, como o “E Se Eu Fosse Um Lego”, na qual conta o dia em que sua filha engoliu uma pecinha de lego e saiu no cocô. “Fiz a história pensando como se o meu filho mais velho fosse uma peça de lego e entrasse no corpo do bebê. A ideia foi mostrar para irmãos mais velhos a importância de proteger e cuidar do mais novo, serem amigos”, explica.
Um outro podcast infantil é o “Imagina Só”, da produtora musical Superplayer Company. Criado em dezembro de 2019, o projeto oferece às crianças histórias com vozes variadas, músicas, sons da natureza e efeitos sonoros que proporcionam uma experiência imersiva para o ouvinte. “Tentamos mostrar movimentação em nossas narrativas. Isso provoca a imaginação, estimula a criatividade e desenvolve o senso lúdico”, diz Gustavo Goldschmidt, fundador da Superplayer.
Com 11 episódios publicados, as fábulas transmitem valores assim como o “Era Uma Vez”. No episódio “A Careca do Galo”, por exemplo, os narradores contam a história de um galo que usava uma peruca para disfarçar a careca. Depois que sua peruca é roubada, ele aprende uma lição sobre confiança e autoestima.
Outros estímulos
O pesquisador em neurociência e educação Alfred Sholl-Franco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que os podcasts são interessantes para o desenvolvimento mental infantil. Entretanto, esse formato de áudio precisa estar integrado a outros estímulos, como o contato com a natureza, relações interpessoais e qualquer outra coisa que provoque os sentidos visuais, olfativos, táteis auditivos, táteis e gustativos.
Parece óbvio, mas muitas crianças são sedentárias, preferem o celular ao contato humano ou estão imersas em ambientes com poucos incentivos – seja por opção dos pais ou questões socioeconômicas.
“Nenhum excesso é saudável e não basta dar um produto pronto para a criança. Mais do que isso, ela tem que criar e recriar a partir dele. É preciso que o podcast interaja com desafios, bonecos, brincadeiras, conversas, etc. Caso contrário, ele vira apenas uma distração para ficar ouvindo histórias dos outros. Tem que ter contextualização e, a longo prazo, isso ajudará a formar um adulto melhor”, aconselha Franco.
Em um artigo intitulado “Tecnologia Para Aprender”, o neurocientista explica que os períodos mais sensíveis a estímulos estão concentrados do zero aos seis anos. Ou seja, nessa faixa etária, a capacidade do cérebro desenvolver, de forma mais aguçada, novas funções cognitivas é maior, tais como a linguagem, controle emocional, habilidades sociais, audição e reconhecimento de fonemas.
Somado a esses fatores, a especialista em Linguagens pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Antonia Lima, explica, no estudo “Composição sonora de histórias infantis em podcast”, que o hábito de ouvir histórias ajuda a trabalhar medos, inseguranças, inveja, dor, carinho, curiosidade – além de transmitir uma gama enorme de informações.
“Quando a criança ouve ou lê uma história, ela é capaz de questionar, comentar, duvidar ou discutir sobre o que leu ou ouviu. Por isso, é preciso que esse ato não seja entendido apenas como algo banal”, destaca. “Quando a criança dá importância ao que ouviu, ela consegue ampliar seu conhecimento e organiza seus argumentos, construindo sua cidadania”, finaliza