Luiz Paulo Tupynambá *
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Hoje eu escreveria sobre as novas energias que vem por aí para substituir as atuais fontes poluidoras baseadas em combustíveis fósseis, mas, como sempre acontece no mundo de hoje, as notícias nos atropelam e somos obrigados a falar delas imediatamente. O que não é surpresa alguma quando se trata de Elon Musk, o bilionário sul-africano que criou a Tesla, a empresa de automóveis mais valiosa do mundo, montou um trenzinho de satélites para a comunicação global, inventou o foguete que dá marcha a ré e comprou o Twitter só para fazer pirraça a outros bilionários. Nesta semana uma das “sei lá quantas” empresas que tem investimento do Mr. X, anunciou ter realizado um implante neural.
Chamado “N1”, o implante é um chip de silicone com mais de 1.000 eletrodos que foram inseridos no cérebro por meio de uma pequena incisão. O chip é capaz de registrar os sinais elétricos emitidos pelos neurônios, que podem então ser transmitidos para um dispositivo externo, como um computador ou um “smartphone”. Assim, possibilitará que o paciente implantado controle um cursor ou um teclado usando apenas seus pensamentos. O paciente já foi capaz de controlar um cursor em um computador usando o implante, e a Neuralink espera que ele seja capaz de controlar um teclado em breve. O implante da Neuralink é um avanço significativo na tecnologia de interface cérebro-computador (BCI – Brain Computer Interface). As BCIs têm o potencial de revolucionar o tratamento de doenças neurológicas, como a paralisia e o Mal de Parkinson, além de abrir novas possibilidades para a interação entre humanos e máquinas.
Antes que mastros verde-amarelos venham a ser quebrados na minha cabeça, digo que o processo desenvolvido pela Neuralink é baseado em pesquisas de outros cientistas, como Miguel Nicolelis. Nicolelis é um neurocientista brasileiro que desenvolveu uma tecnologia chamada BrainGate. O BrainGate é um implante cerebral que permite que pessoas com paralisia controlem dispositivos externos usando apenas seus pensamentos.
A Neuralink usa uma tecnologia semelhante ao BrainGate. O implante dela é mais avançado, com mais eletrodos e um design mais compacto. Isso pode permitir que o implante da Neuralink seja usado para tratar uma variedade de doenças neurológicas, incluindo paralisia, epilepsia e doença de Parkinson. A Neuralink também tem um acordo de cooperação com o laboratório de Nicolelis, de quem Elon Musk é um grande admirador.
Patropismos salvos, aviso que o implante da Neuralink não recupera partes afetadas ou destruídas do cérebro, por traumas ou AVCs de grande monta. O cérebro humano está dividido em quatro lóbulos, cada um deles com uma função específica, para andar, para enxergar, para falar e ouvir, etc. Não é incomum que partes prejudicadas do cérebro tenham sua função original substituída por outra área não afetada. Isso é chamado de Neuroplasticidade, que é bem descrita e utilizada na literatura médica.
No caso do implante a ideia é corrigir a atividade cerebral afetada, principalmente a atividade motora, e utilizá-la para realizar uma atividade como teclar sem usar as mãos, ou caminhar com uma prótese preparada para isso. Interessante é a possibilidade de conexão com dispositivos como o Alexa para executar tarefas como acender as luzes, ligar o aparelho de tv, conectar-se ao Spotify ou verificar com a “smart-geladeira” o que está faltando, ordenar a compra e a entrega. Tudo isso sem fio, como um aparelho de “blue-tooth”.
É bom deixar claro que o implante não vai devolver a capacidade de se locomover sozinho para alguém que tenha sofrido um acidente de trânsito e tenha ficado paraplégico, por exemplo. Em casos assim, ocorreu um rompimento do feixe de nervos que liga o cérebro às pernas. Isso envolveria procedimentos cirúrgicos complexos, ainda não desenvolvidos e que teriam um período de recuperação demorado, doloroso e de prognóstico pouco confiável. O implante cria uma “ponte wi-fi” entre o cérebro e o aparelho locomotor robótico.
Estamos assistindo ao nascimento de uma nova raça? Um híbrido de humano e máquina? Talvez. É possível que o implante da Neuralink seja um precursor do desenvolvimento de tecnologias que permitam a integração mais profunda entre humanos e máquinas. No entanto, ainda é cedo para dizer se isso realmente acontecerá. O implante da Neuralink é um avanço significativo na tecnologia BCI, mas ainda está em fase experimental. A empresa ainda precisa realizar mais testes para garantir a segurança e a eficácia do procedimento, antes de sair por aí plugando Zé-com-Rastapé.
É um campo fascinante, o desenvolvimento da tecnologia voltada à saúde e à medicina. Mas, como sempre, estamos frente a um dilema moral. Se você pode conectar um cérebro para fazer uma pessoa voltar a andar ou ter as mãos tranquilizadas do Mal de Parkinson apenas com o próprio pensamento, também poderá desenvolver semi-robôs extremamente velozes, de tiro certeiro e capazes das piores atrocidades num ambiente de guerra. Qual chip os militares russos implantariam nos criminosos comuns que são convocados para a guerra contra a Ucrânia? Qual chip usariam os “mahdis” árabes e persas em suas guerras contra Israel? Ou vice-versa em ambos os casos?
Se não tivermos outros atropelos, semana que vem vamos falar das novas energias, eita!
* Jornalista e fotógrafo de rua