Por Mariane Morisawa, especial para AE
O amor por Pinóquio uniu o diretor Matteo Garrone e o ator Roberto Benigni. O personagem criado por Carlo Collodi faz parte da vida de Garrone quase desde seu princípio. O primeiro storyboard que desenhou, aos 6 anos de idade, era uma aventura do boneco de madeira tornado gente. Até hoje, o diretor de Gomorra (2008) e Dogman (2018) mantém o desenho colado na parede em frente à sua mesa de trabalho. “É o meu modelo”, disse em entrevista com participação do Estadão, no Festival de Berlim do ano passado, quando o longa Pinóquio foi exibido em sessão especial. “Na época, eu era direto, minha abordagem era original, e é isso o que almejo agora, na minha carreira.”
No caso de Benigni, também. “Eu nem sei se algum dia li o livro, porque eu mesmo sempre fui o Pinóquio”, contou o ator na mesma entrevista. Sua mãe sempre o chamou de “Pinoquinho”, desde seus 4 ou 5 anos. “Eu era muito levado e adorava inventar histórias”, disse. Ele quase fez um Pinóquio com Federico Fellini e chegou perto de ser Gepeto em um filme de Francis Ford Coppola. Nenhum dos dois projetos saiu do papel, então Benigni escreveu, dirigiu e protagonizou a sua própria versão, lançada em 2002.
Nem assim ele pestanejou ao receber o convite de Garrone para fazer uma nova adaptação, que tem estreia prevista nos cinemas brasileiros para dia 21. A diferença é que, desta vez, ele interpreta Gepeto, o amoroso pai do boneco de madeira (vivido pelo menino Federico Ielapi com ajuda de maquiagem protética). “Foi como um sonho quando ele me convidou. Nem consegui dormir aquela noite. Imagine, ter a oportunidade de fazer tanto o Pinóquio quanto o Gepeto. Incrível”, afirmou Benigni, que andou sumido dos cinemas nos últimos anos, dedicando-se ao teatro e à televisão. Seu longa mais recente tinha sido Para Roma com Amor, de Woody Allen, lançado em 2012. “Eu disse muitos ‘nãos’ nesse período”, explicou. “Aqui, eu tinha um bom roteiro e um diretor que considero um dos melhores do mundo.”
Mas fazer Pinóquio não era exatamente um sonho de infância para Garrone. “Não sei por que, mas eu achava que estava além de mim”, disse o diretor. “Eu tinha medo.” Para ele, fazer um filme baseado em Pinóquio é perigoso. Até por questão de superstição: há uma lenda de que coisas ruins acontecem a quem tenta tocar na obra de Collodi. Mas ele fez Gomorra, um filme sobre a máfia, e outros projetos que considera perigosos. “Eu percebi que podia fazer. Gosto de me meter em confusão.”
Recentemente, ele reviu Gomorra diversas vezes por estar trabalhando numa reedição e acabou enxergando paralelos entre o filme e Pinóquio. “Também é uma história sobre crianças que correm riscos sem ter consciência disso, que vivem num mundo violento e não ouvem ninguém”, disse Garrone, que enxerga elementos de contos de fada em toda a sua obra. Em Pinóquio, claro, a fantasia é mais presente, mas também há um realismo que não esconde as mazelas do mundo. Fica evidente, como no livro original, que Gepeto é um homem muito pobre. É uma realidade que Roberto Benigni, filho de uma tecelã e de um pedreiro, conhece bem – ele inclusive nasceu numa vila da Toscana que poderia ser aquela retratada por Collodi.
Por conta desse pé na realidade, Garrone não queria que os efeitos visuais chamassem demais a atenção. “Para mostrar a pobreza dessa vila e dessa paisagem, tinham de ser quase invisíveis”, disse. Por isso, recorreu à maquiagem de Mark Coulier, vencedor do Oscar por A Dama de Ferro (2011) e O Grande Hotel Budapeste (2014). A mesma abordagem foi adotada com os animais que Pinóquio encontra pelo caminho. “Eles são alegorias da sociedade”, afirmou o diretor. Garrone nunca gostou das produções em que animais de repente falam. Então, os bichos são humanos com toque de animal ou animais com um quê de gente. Assim, quando eles falam, a esperança do diretor é que não pareça tão estranho.
Embarcar nesse mundo de fantasia, mesmo que permeado pela realidade, não foi difícil para Benigni. “Eu sou um menino”, disse. Todo o mundo se lembra da cena na cerimônia do Oscar de 1999, quando ele caminhou sobre as cadeiras para receber a estatueta de melhor produção estrangeira por A Vida É Bela, pouco antes de subir ao palco de novo para receber outro troféu, como melhor ator, pela mesma obra. “Eu era como o Pinóquio ali”, contou Benigni. Garrone acrescentou que aquela imagem é exatamente igual a uma ilustração de Enrico Mazzanti para a primeira edição do livro de Collodi, de 1883.
São muitas as adaptações da obra desde sua publicação – agora mesmo, a Disney prepara um “live action” com Tom Hanks, e Guillermo del Toro faz um musical. Para Garrone, o segredo do seu encanto reside em sua humanidade. “Ele fala de como é difícil viver, como pode ser perigoso viver se você não tomar a decisão correta”, afirmou. “Fala de como somos fracos frente às tentações e de como a vida pode ser cruel. E fala de diferença: Pinóquio é um boneco. Então, ele pode ser um imigrante que tenta se encaixar. O livro se abre para muitas interpretações.” O seu Pinóquio é uma delas e demorou 45 anos de sua vida para ser feita. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.