Relatório da Polícia Federal de Ribeirão Preto ao qual o Tribuna teve acesso concluiu que o secretário municipal de Saúde, Sandro Scarpelini, e sua adjunta Jane Aparecida Cristina, cometeram crime indevido de dispensa de licitação na contratação de quatro ambulâncias por R$ 1,1 milhão durante a pandemia do coronavírus na cidade.
O relatório também cita, pelo mesmo motivo, o proprietário da empresa SOS Assistência Médica Familiar, Aníbal Leite Carneiro Junior. A pena prevista para este tipo de crime descrito pela PF é de detenção de três a cinco anos, além de multa. O relatório é assinado pelo delegado Daniel Vilmon Vizicato.
Diz parte do relatório do delegado federal. “Deste modo, percebe-se que Sandro deu causa a uma dispensa indevida de licitação e, assim agiu, não inadvertidamente ou por inabilidade, mas deliberadamente, com o intuito de possibilitar a contratação da empresa de Aníbal, favorecendo-o financeiramente e, como consequência, causando dano ao erário municipal”.
E prossegue: “Uma vez que os próprios representantes da empresa derrotada afirmaram que proporiam valores menores, caso fossem instados a fazê-lo. Por todo o exposto, temos que Sandro Scarpelini, Aníbal Leite Carneiro Junior e Jane Aparecida Cristina concorreram, conscientemente, para a prática do crime de dispensa indevida de licitação, previsto no artigo 89, da Lei das Licitações (nº 8.666/1993)”.
O relatório da Polícia Federal será encaminhado para o Mistério Público Estadual (MPE), a quem caberá a conclusão da investigação e, no caso de comprovação da prática de crime, denunciar os envolvidos à Justiça do Estado de São Paulo.
A investigação tramitou inicialmente na Justiça Federal e contiou com a participação da Procuradoria-Geral da República (PGR), porém, como houve alteração na dotação e na origem da fonte de recursos que a prefeitura utilizou para contratação do serviço, caberá ao MPE concluir o caso e decidir pelo arquivamento ou oferecimento de denúncia.
Outro inquérito tramita na instância cível e é conduzido pelo promotor da Saúde Pública de Ribeirão Preto, Sebastião Sérgio da Silveira. De acordo com o Ministério Público, um parecer técnico feito sobre suposto sobrepreço na contratação das ambulâncias foi inconclusivo.
O contrato
A locação das ambulâncias, assinada pela prefeitura de Ribeirão Preto, teve início em 13 de abril com valor previsto de R$ 1.103.419,27 e foi encerrado em 12 de agosto. O contrato não foi renovado porque o transporte de pacientes, em apoio realizado pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), teve queda na demanda.
De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde, em abril – quinze dias – foram transportados 491 pacientes. Em maio 926, em junho 863, em julho 843 e em agosto, apenas 32. O valor pago a empresa totalizou investimentos de R$ 517.656,94.
Relatório na Câmara
Os vereadores de Ribeirão Preto não votaram nesta quinta-feira (27) o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para investigar a dispensa de licitação porque o presidente Orlando Pesoti (PDT) está de licença médica.
No relatório, a CPI conclui que Sandro Scarpelini e sua adjunta concorreram para fraudar o procedimento, com dispensa indevida de licitação para a contratação de ambulâncias. A comissão decidiu pedir o afastamento do secretário e de Jane Aparecida Cristina.
O documento será remetido ao prefeito Duarte Nogueira Júnior (PSDB), ao Ministério Público de São Paulo (MPSP), ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) e ao Tribunal de Contas da União (TCU). A comissão concluiu os trabalhos dentro do prazo de 120 dias.
A CPI também é composta pelo presidente Orlando Pesoti (PDT), pelo relator Renato Zucoloto (PP) e conta com a participação de Jean Corauci (PSB), Paulo Modas (PSL), Alessandro Maraca (MDB) e Marinho Sampaio (MDB). Dezoito pessoas foram interrogadas em dez audiências.
Por unanimidade, o grupo concluiu que houve indícios de direcionamento e dispensa indevida de licitação no contrato. As investigações tiveram início depois de denúncias de que haveria superfaturamento na locação. Um empresário do setor também denunciou o direcionamento na contratação, pois segundo ele, o prefeito seria amigo do sócio da empresa.
Em seu depoimento, Scarpelini confirmou que, na década de 2000, a ex-mulher dele foi sócia do dono da SOS, Aníbal Carneiro, em uma empresa com outra razão social e que a parceria durou seis meses.
O que dizem os acusados
A administração municipal informa que a lisura da conduta da Secretaria Municipal de Saúde já foi confirmada pela Corregedoria Geral do Município, considerando que não há indícios de desrespeito aos princípios administrativos. Portanto, pede o arquivamento do processo de investigação realizada de forma independente. Informa ainda que a cópia das investigações da Corregedoria será encaminhada aos órgãos de controle. Ressalta ainda que defende rapidez nas investigações para que essas questões sejam devidamente esclarecidas e continuará contribuindo, como sempre o fez, para trazer todas as informações necessárias e prestar quaisquer esclarecimentos. A prefeitura de Ribeirão Preto também informa, por meio de nota,“que trata-se de um momento eleitoral e o fato foi tratado sem levar em consideração tempos em que decisões rápidas e enérgicas devem ser tomadas para salvar vidas. O relatório do Legislativo não apresenta nenhuma informação nova que os órgãos competentes desconheçam”. A defesa de Anibal Carneiro diz que o relatório da Polícia Federal é precipitado e que a corporação não tem competência para investigar o caso porque se trata de verba estadual.Também encaminhou um pedido à Justiça pela elaboração de um novo relatório policial. Na petição encaminhada à 2ª Vara Criminal, os advogados alegam que as investigações conduzidas pela Polícia Federal foram parciais em relação à empresa SOS Assistência Familiar e marcadas por problemas como a não observância do pedido de provas da defesa. “Os termos da conclusão do relatório policial demonstram não só a indevida parcialidade de referida autoridade policial, mas também que o mesmo não observou como devera as provas e o pedido de provas constantes dos autos”, argumenta a defesa no documento. Também mencionam que a PF deu sequência ao inquérito mesmo após apurar que a verba utilizada no contrato investigado não era de origem federal, mas sim estadual. Com isso, segundo o advogado Guilherme Frederico de Lima, o caso deveria ter seguido para a Polícia Civil. O Ministério Público se manifestou contrário aos argumentos, justificando que o delegado tem autonomia para definir o rumo das investigações, mas o pedido da defesa ainda precisa ser avaliado pelo juiz do caso.