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Pesquisadores discutem limites ao Poder Público no uso de dados

Marcello Casal jr/Agência Brasil

Os órgãos públicos precisam utilizar dados para realizar políticas públicas e ofertar serviços aos cidadãos. Da foto do documento de identidade à conta bancária para o pagamento de um benefício social, diversas informações são coletadas por autoridades governamentais. Mas diante da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entrará em vigor no ano que vem, como ficam os limites ao tratamento destes registros e que recomendações órgãos da Administração Pública devem adotar para assegurar a proteção de dados dos cidadãos?

O tema foi discutido hoje (6) por pesquisadores na 5ª Semana de Inovação, evento promovido pela Escola Nacional de Administração Pública em Brasília. A LGPD estabeleceu direitos aos titulares de dados, mas criou exceções ao tratamento por parte de órgãos públicos. Para atividades de segurança pública, por exemplo, a Lei não tem validade.

Outra regra específica é a dispensa de consentimento no tratamento de dados para políticas públicas previstas em leis, regulamentos e contratos. É permitido também o uso compartilhado de dados por entes públicos, desde que respeitados os princípios previstos na Lei. Em outubro, o governo federal editou decreto em que regulamenta a forma de compartilhamento de informações de seus órgãos e cria um cadastro unificado. Naquele momento, o secretário de governo digital, Luís Felipe Monteiro, disse que o intuito é, por meio do compartilhamento, facilitar o acesso a determinada informação por um órgão. “O governo não fala entre si. O cidadão tem que se deslocar para cumprir um rito, como obter certidão de um órgão para entregar para outro. Não é isso que queremos”, defendeu Monteiro. 

Para a pesquisadora do Instituto Brasileiro de Direito do Consumidor (Idec) Bárbara Simão os entes públicos precisam manter um cuidado com a finalidade para a qual o dado foi coletado. “Uma coisa é você coletar o dado e outra é compartilhar o dado. Depois que coleta precisa ter cuidado para não fugir do propósito inicial. É ponto importante para isso pensar na utilidade daquilo”, destacou.

Ela acrescentou que além da finalidade, é preciso considerar também a necessidade do uso daquela informação e dos riscos que essa adoção gera. O emprego de fotos do cidadão para o acesso a uma política pública, por exemplo, é necessário? Bárbara citou como exemplo a implantação de sistemas de reconhecimento facial, como ocorreu na cidade de São Paulo, e os riscos associados a essas soluções técnicas. “Muitas vezes pensamos na inovação, mas também é importante refletir um pouco sobre qual vai ser o impacto daquela inovação de fato para não acarretar em coleta de dado que pode ser irreversível”, comentou.

A coordenadora do Coletivo Intervozes Marina Pita citou como exemplo a exigência pela Caixa da identificação do requerente quando alguém busca informações sobre saque do Fundo de Garantia do Tempo e Serviço (FGTS), argumentando que tal informação não é necessária ao procedimento. Ela lembrou que segundo a LGPD as instituições públicas devem informar os cidadãos os tipos de tratamento realizados.

Na avaliação de Pita, o compartilhamento de dados na administração pública não pode ser banalizado. “A ideia de que todos os órgãos têm de ter acesso a todos os dados fragiliza o direito do cidadão. Quando se fala que se quer garantir a eficiência no serviço público, tem mais a ver com interoperabilidade do que com compartilhamento”, defendeu. Ela citou o banco centralizado criado pelo governo como exemplo de algo que poderia ser feito de forma diferente, com bases distintas se comunicando entre si.

A presidente do Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.Rec), Raquel Saraiva, também alertou para o risco da regulamentação editada pelo governo federal. “Eles trazem uma centralização e a possibilidade de compartilhamento sem qualquer tipo de transparência com os usuários. Qualquer órgão pode compartilhar sem qualquer necessidade de contrato ou acordo. Se não há instrumento de transparência, como vou saber, enquanto cidadão, o que está sendo feito”, questionou.

Raquel ressaltou que os riscos associados ao tratamento por entes públicos são ampliados em caso de dados sensíveis, como informações sobre características étnicas e raciais, de filiação política ou sobre a saúde do indivíduo. Ela também citou a tecnologia de reconhecimento facial como um problema. “Lá no Recife foram instaladas câmeras nos ônibus sem discussão com a sociedade sobre por que isso está sendo coletado, como isso está sendo guardado, que tipo de segurança existe no banco de dados, se a gente pode ter acesso ou não. Não tem política de privacidade, não tem nada. É tipo de iniciativa estatal que nos é imposta sem qualquer tipo de transparência”, criticou.

Edição: Liliane Farias

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