Imagine: você está trabalhando, estudando, assistindo TV, dirigindo, dormindo ou fazendo qualquer outra coisa e o telefone começa a tocar. Do outro lado um número desconhecido, geralmente com DDD de outra região. Você não atende. Passam alguns segundos e o telefone toca novamente, outro número também com DDD diferente. Você não atende. E isso se repete.
Aí você resolve atender depois de tanta insistência. Quando o telefone não fica mudo – e invariavelmente volta a tocar segundos depois – do outro lado alguém querendo te vender algo, geralmente planos de telefonia, pacote de dados e outros serviços ou cobranças. Você diz que não quer ou não tem interesse ou ainda que não tem condições de pagar naquele momento. Passam alguns minutos e o telefone volta a tocar e o ciclo se repete por dias e dias.
Se você já passou, passa ou conhece alguém que sofre tais perturbações, saiba, não é exclusividade sua. São 9,55 milhões de números de telefone cadastrados na plataforma Não Me Perturbe [em São Paulo é Não Me Ligue]. Segundo a Conexis Brasil Digital, que reúne as empresas de telecomunicações e de conectividade, a maior parte dos números bloqueados está no estado de São Paulo, com 4,594 milhões de números registrados. São Paulo também concentra a maior base de clientes do país, com 71,8 milhões de celulares e 10,7 milhões de telefones fixos.
Em segundo lugar no ranking de telefones bloqueados está Minas Gerais, com 856 mil números, seguido do Paraná com 844 mil e do Rio de Janeiro com 587 mil registros. O Distrito Federal tem a maior proporção de telefones cadastrados na plataforma, são 297 mil números cadastrados, o que representa 5,8% da base de telefones fixos e móveis do DF.
Após a implementação da plataforma, foi verificada uma queda de 20% nas reclamações de usuários de serviços de telecomunicações.
Além da plataforma, para tentar coibir tais abusos o Procon-SP fez até um Ranking dos perturbadores. Em outra situação a Justiça condenou uma empresa de telemarketing a indenizar uma pessoa alvo de ligações e cobranças improcedentes.
O advogado Almiro Soares de Resende salienta que o Código de Defesa do Consumidor estabelece regras com a finalidade de evitar os incômodos destas ligações, mesmo que às vezes legítimas, como é o caso de uma cobrança real.
Resende destaca algumas formas de solucionar esse dilema, seja pelo próprio aplicativo celular [bloqueando os números], uma reclamação junto ao Procon e até mesmo frente a Agência Nacional de Telecomunicação – ANATEL; no entanto ressalta, que nem sempre as pessoas obtém êxito.
“Entretanto, deve-se analisar como cada pessoa recebe essas ligações em excesso, uma alternativa para conseguir evitar as chamadas de telemarketing, as quais se tornam abusivas quando excedem as quantidades e incomodam os consumidores, pois, muitas vezes, elas são feitas pelo ‘robocall’, máquinas que ligam simultaneamente para várias pessoas; assim o correto é cadastrar o número no Procon, o que obriga as empresas a retirarem o contato de seu sistema em um prazo de 30 dias e, não sendo respeitado o bloqueio, será aplicada uma multa prevista no Código de Defesa do Consumidor”, diz o advogado.
Cobranças – Resende explica sobre as ligações de cobranças de dívidas, as quais são permitidas, mas não podem exceder o limite que tem previsão legal no Código de Defesa do Consumidor. “Não podem, essas ligações, serem feitas a qualquer hora ou por inúmeras vezes em um mesmo dia; logo, as ligações excessivas são proibidas, assim como as chamadas em horário de descanso, às noites, nos finais de semanas e feriados”.
“O consumidor não pode ser exposto ao ridículo ou ao constrangimento nas ligações, mesmo em casos em que a pessoa esteja inadimplente. É expresso, também, no artigo 44 que chamadas em excesso e em horários impróprios configuram ligações abusivas, pois invadem a tranquilidade e intimidade do consumidor e se revelam como ameaças e coações”, completa Resende.
Por fim, o advogado ressalta que se o consumidor não conseguir interromper as ligações por meios extrajudiciais, poderá acionar o Poder Judiciário. “Pleiteando da empresa que fornece o produto indenização por danos morais, além da obrigação de se abster de efetuar novas ligações; neste caso, a solução e sugestão é que o consumidor procure um advogado de sua confiança para seu maior bem-estar”, finaliza.
“Não Me Ligue”, o cadastro do Procon-SP
Uma legislação estadual que passou a valer a partir de 10 de março do ano passado ampliou os direitos previstos pelo cadastro de bloqueio de telemarketing. Gerenciado pelo Procon-SP, o “Não me Ligue” foi instituído pela Lei nº 13.226/2008 – atualizado pela Lei nº 17.334 /2021 – com a finalidade de proteger a privacidade dos consumidores paulistas que não desejam ser incomodados com ofertas de telemarketing.
“Com a ampliação do serviço alcançando também Whatsapp e SMS, o consumidor agora tem a garantia de que não será importunado. Ele precisa apenas fazer o cadastro de sua linha telefônica no site do Procon e a fiscalização exigindo o cumprimento da lei será feita por nossas equipes. Empresas que desrespeitarem esse direito à privacidade serão multadas”, afirmou na ocasião Fernando Capez, diretor executivo do Procon-SP.
A regra, que atinge empresas que atuam em todo o país, vale para ligações ou mensagens feitas diretamente por funcionários da empresa, por terceiros contratados, por gravações ou qualquer outro meio.
Como funciona
Os consumidores paulistas que não desejam ser incomodados com ofertas de produtos e serviços e com cobranças podem fazer a inscrição de até cinco linhas telefônicas de sua titularidade (fixo ou celular) no site do Procon-SP. Após o 30º (trigésimo) dia da inscrição no cadastro, as empresas de telemarketing e fornecedores de produtos ou serviços que utilizam este serviço não poderão fazer ligações ou enviar mensagens para esses números.
Uma vez inscrito, o número de telefone permanecerá no cadastro por tempo indeterminado. O consumidor pode fazer a exclusão da linha a qualquer momento e também autorizar ligações de uma ou mais empresas das quais deseja receber ligações ou mensagens.
A legislação não atinge empresas que pedem doações.
Veja mais informações em https://bloqueio.procon. sp.gov.br/#/
Ranking dos perturbadores
O Procon-SP disponibiliza um ranking dos perturbadores – lista das empresas que ligam ou mandam mensagem para o consumidor que está inscrito no cadastro “Não Me Ligue”, desrespeitando a escolha de quem não quer receber ofertas de telemarketing. O ranking (https://www.procon.sp.gov.br/ranking-dos-perturbadores/) tem como objetivo reforçar o respeito à legislação.
Empresa de call center foi condenada
No ano passado, desembargadores da 19ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiram manter a condenação de uma empresa de call center que fez mais de 80 ligações a um homem para cobrar uma dívida que não era dele. A notícia teve repercussão nacional.
A indenização definida no valor de R$ 5 mil é por danos morais. O valor foi definido na primeira instância pelo juiz Frederico Messias, da 4ª Vara Civil de Santos, no litoral do estado. Na sentença, o magistrado argumentou que o tempo é um bem precioso e que a apropriação indevida, injusta e excessiva causa transtornos que vão além do simples aborrecimento.
Segundo o processo, o dono da linha telefônica recebeu a primeira ligação em meados de 2019 com a cobrança de uma dívida de uma pessoa que ele sequer conhecia.
Uma gravação pedia o CPF do suposto devedor para dar continuidade à cobrança. Apesar de ter enviado um e-mail para a empresa de call center, a Novaquest, informando que ele não era responsável pela dívida, o homem seguiu recebendo as chamadas.
Na ação foram comprovadas mais de 80 ligações de diferentes números telefônicos vinculados à empresa de cobrança.
Para Dyogo Moisés, coordenador de direito digital do IDEC, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, a decisão abre espaço para regulamentar esse tipo de cobrança feito pelas empresas de call center.
Dyogo Moisés lembrou que a lei de proteção de dados que entrou em vigor em 2020 diz que o número de telefone é um dado pessoal e só pode ser usado com a autorização expressa do consumidor. Apesar disso, segundo ele, o número de ligações indesejadas feitas por empresas de call center só têm crescido desde que começou a pandemia.
Em nota, a empresa de call center Novaquest disse que não iria mais recorrer da sentença, argumentou que as 80 ligações ocorreram ao longo de 7 meses e que os telefones são fornecidos pelos clientes, mas reconheceu que é preciso melhorar o processo de trabalho.