Tribuna Ribeirão
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Pense em mim, chore por mim… não liga pra eles 

André Luiz da Silva * 
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A recente divulgação da “lista suja” do trabalho escravo pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) gerou uma repercussão inesperada. Entre os 727 nomes listados, um chamou mais atenção: o de Emival Eterno da Costa, mais conhecido pelo seu nome artístico, Leonardo. 
 
De acordo com o relatório, trabalhadores da fazenda do cantor, localizada em Jussara, Goiás, viviam em condições degradantes. Eles estavam expostos a morcegos e fezes de animais, sem acesso a banheiros ou instalações adequadas, e consumiam água de um poço mal conservado. Suas jornadas de trabalho chegavam a 10 horas diárias, sem registro formal e sem garantias de descanso semanal. Entre os resgatados, havia até um adolescente de 17 anos. 
 
Em sua defesa, Leonardo recordou sua origem de plantador de tomates, alegou que a propriedade estava arrendada, desconhecendo as irregularidades. Mesmo assim, ele pagou uma indenização de R$ 225 mil aos seis trabalhadores resgatados, além de uma multa de R$ 94 mil, conforme acordo negociado pela Defensoria Pública da União (DPU), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e seus advogados. Alguns artistas manifestaram solidariedade ao cantar, porém esqueceram das vítimas. 
 
A “lista suja” foi criada em 2003, mas encontrou resistências durante os governos de Michel Temer (MDB) que chegou a suspendê-la e Jair Bolsonaro (PL) que cortou as verbas destinadas à fiscalização trabalhista. 
 
Somente no ano de 2023, o MTE resgatou 3.190 trabalhadores em situação análoga à escravidão. Durante esse período, 598 estabelecimentos, tanto urbanos quanto rurais, foram fiscalizados, o que resultou no pagamento de R$ 12.877.721,82 em verbas salariais e rescisórias aos trabalhadores resgatados. 
 
Vale lembrar que pessoas físicas ou jurídicas só são incluídas na “lista suja” após a conclusão de um processo administrativo, que começa quando, em fiscalizações, são encontrados trabalhadores em condições análogas à escravidão. 
 
Além das penalidades trabalhistas, há também a responsabilidade criminal. O artigo 149 do Código Penal define que a redução à condição análoga à de escravo inclui submissão a trabalhos forçados ou jornadas exaustivas, sujeição a condições degradantes de trabalho e restrição da locomoção. A pena para esses crimes é de reclusão, de dois a oito anos, além de multa. Essa pena pode ser agravada se o crime envolver crianças ou adolescentes, ou for motivado por preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. 
 
Os setores econômicos mais envolvidos nesse tipo de crime são o cultivo de café, criação de bovinos, produção florestal, construção civil, confecção de vestuário, extração de metais preciosos e atividades agrícolas em geral. Grandes empresas já figuraram na “lista suja”, como Cutrale, Cosan, Nespresso, Starbucks, JBS, Marfrig, Minerva, Ambev, Heineken, Zara, Renner, M. Officer, Marisa, MRV Engenharia, OAS e Odebrecht. 
 
O combate ao trabalho escravo é uma tarefa coletiva, e as denúncias são fundamentais. Elas podem ser feitas de forma sigilosa e remota, através do Sistema Ipê (ipe.sit.trabalho.gov.br), ou por meio do aplicativo Pardal, do Ministério Público do Trabalho. Também é possível denunciar pelo Disque 100 e pelo aplicativo Direitos Humanos BR, ambos serviços do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. 
 
A escravidão moderna ainda persiste, escondida em diversos setores da nossa sociedade. Mas é nossa responsabilidade, como cidadãos, nos levantarmos contra essa cruel exploração. Faça sua parte, pense nas vítimas, denuncie e participe da luta para erradicar o trabalho escravo. 
 
* Servidor municipal, advogado, escritor e radialista 

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