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Pelé e o milagre

Impossível escrever algo de original sobre Pelé, sua carreira, sua vitória, sua memória. O mundo todo, desde as pessoas que circulavam pelas ruas do mundo, como políticos, profissionais de todas as profis­sões, os chefes de estados, já escreveram curtas frases, como o mandatá­rio francês que se tornou expressivo com três palavras (“o jogo, o Rei, a eternidade”) como um texto mais longo de Lula, corintiano que venceu a raiva, convertida em admiração, ou como o testemunho imperdível de Juca Kfouri, e suas histórias não contadas antes.

Na vida de simplicidade da alma, nunca perdida, mesmo até a conquista da glória do mundo, o menino nascido mineiro de Três Corações, passou a infância em Bauru, onde ao lado do pai prometeu a ele, que chorava pela derrota do Maracanã em 1950, que lhe daria uma Copa do Mundo, o que aconteceu oito anos depois, em 1958, quando o menino completava 17 anos.

Brincadeira ou não, a intuição falara de uma ocorrência impossível de vê-la realizável, já que era uma criança condoída pelas lágrimas de quem fora jogador, e que encerrada a carreira, antecipadamente, por contusão no joelho.

Mas, de que fonte viria tal aviso-prévio daquele acontecimento es­tonteante, que se consumiria com a taça do mundo entregue ao Brasil? Como poderia alguém supor como verossímil o que a criança disse lá atrás, se ouvida ela fosse? Como alguém poderia imaginar que naquele acontecimento futuro aquele menino se apresentaria ao mundo com a magia de seu corpo esportivo, e o espírito de quem vira antes a con­clusão da jogada magistral, ele que procurava consolar o pai, jogador­-frustrado, com uma promessa aparentemente sem sentido, como uma palavra descompromissada lançada aos ventos do mundo?

Então, a palavra se fez o verbo da atuação vitoriosa da seleção brasileira, e nela despontou a majestade de quem um dia receberia a coroa do Rei.

Mas, se o início dessa história é inquietante, o que dizer da repercus­são dela no ambiente de um mundo, no qual não faltam quem escreva, que componha letras de músicas memoráveis, que cante, que pesquise, que descobre as maravilhas guardadas pela natureza, que ganhe prêmios e reconhecimentos pelas virtudes dos seus dons, dos talentos celebra­dos, das inteligências argutas e criadoras, todos e todas engrandecendo a obra da Criação, com o espírito privilegiado do ser humano, que deixa para trás o “Penso, logo existo”, já que o pensamento como o mundo se movimentam permanentemente, cumprindo a lei cósmica da energia divina, que Teillard denomina de Amor.

Momento e promessa inquietantes, porque aconteceu exatamente como fora antevisto, pois, a criança foi além, pois, ofereceu ao pai, ao país e ao mundo, mais duas Copas do Mundo.

Mais inquietante, ainda, são os efeitos da arte de Pelé, pois, ele escre­veu com seus pés, o que nenhum outro homem conseguiu fazer com a cabeça inspirada e suas mãos.

As grandes obras, os livros santos de tantas confissões ou religiões não geraram o milagre instantâneo de uma paralização coletiva, mag­netizadas pelo que um time de futebol e nele as pernas, e nelas espe­cialmente as do Pelé, como o time do Santos, e nele, Pelé fizeram com a guerra de guerrilhas, lá no Congo, da milenarmente explorada África.

Houve alguma oração, algum desejo coletivo que, um dia, paralisasse a estupidez da guerra, sem um processo de acordo, um armistício? A possibilidade de um momento de lucidez e humanidade, no palco perverso das lutas intestinas e brutais, foi criado pelos pés animados pelo espírito do esporte que é o de unir os povos, mostrando que a irmandade de todos tem também esse ponto de identidade revelado nesse episódio extravagante­mente único. A guerra em pausa expectante para assistir uma partida de futebol. A humanidade das pessoas conquistada pelos pés.

Um milagre inspirado pelo Deus da Criação, para dizer aos mortais que qualquer gesto, inclusive o dos pés, podem traduzir a sua mensagem de Paz.

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