Por Julio Maria
É mais do que falar da linhagem de um canto feminino específico iniciada por Elis Regina. Assim como Gal e Bethânia, Elis tornou-se um dos eixos incontornáveis no inconsciente mesmo de cantoras que dizem não ouvi-la com frequência. A coisa é mais séria do que parece. A voz e a interpretação de Elis, o que se vê, se transformaram na invisível “ideia Elis”, o que está no ar e é acionado não como influência, mas como o próprio canto. Há teses que tentam compreender o fenômeno provocado pela intérprete nas vozes femininas entre a segunda metade da década de 1960 e o início da de 1980, mas poucas, ou nenhuma, fala sobre o impacto de Elis entre os homens.
Ivan Lins já disse que a presença de Elis fez com que o nível da composição brasileira fosse elevado. “Como todos os compositores queriam ser gravados por ela, e todos sabiam de suas exigências com a poesia e a harmonia, todo mundo começou a fazer uma música muito mais criteriosa.” Ele mesmo, Ivan, pode ser um exemplo de sua fala. A entrega da cantora na gravação de Madalena é definitiva para o posto que essa música tem hoje. Renato Teixeira conta ter feito uma casa depois que Elis gravou Romaria “Quando ela gravar a próxima, eu faço o telhado”, costumava brincar. Eles devem a Elis boa parte de suas carreiras, e vão colocá-la no foco durante um espetáculo pensado para ser realizado na véspera do Dia das Mães.
ELES E ELA
Elis & Eles foi criado pelo filhos Pedro Mariano e João Marcello Bôscoli. Com Ivan Lins, Renato Teixeira e o bossa-novista, compositor e produtor Roberto Menescal como convidados, eles se apresentam no dia 13 de maio, sábado, na grande casa de shows Vibra Hall (os ingressos já estão disponíveis pela plataforma uhuu.com). A dinâmica terá João, autor do livro de memórias Elis e Eu, lançado em 2019, contando passagens com a mãe; o cantor Pedro orientando o repertório e as imagens e a voz de Elis surgindo em momentos-surpresa. Os convidados são chamados para lembrar canções imortalizadas por ela. Haverá também objetos que pertenceram a Elis.
De alguma forma, Pedro Mariano revisita o conceito de homens por Elis criado e já apresentado por ele e outros artistas. “Este show acaba sendo a síntese do que Pedro e eu já fazemos há um tempo”, conta João. “Vou mostrar coisas de Elis que tenho guardado há anos.” Milton Nascimento, por exemplo, aparece em uma captação inédita falando sobre sua paixão pela cantora. Outros depoimentos são dados por Marília Pêra, Ivan Lins, Fagner, Gilberto Gil e Aldir Blanc. A pedido do Estadão, João destaca cinco itens fortes do espetáculo: “1. Elis a capela cantando Aprendendo a Jogar com o grupo musical que estará ao vivo. 2.
Um microfone RCA usado por Elis nos anos 1960. 3. Depoimentos do nosso acervo familiar contendo imagens de Milton, Belchior e Jô Soares, dentre outros (todos trabalharam com Elis). 4. Imagem de Elis e seu filho Pedro cantando no palco. 5. Fotos de álbuns de família restauradas por inteligência artificial”.
FOCO NA CANTORA
“Nos outros espetáculos que fiz com homens fazendo homenagem a Elis, em 2011 ou 2012, o protagonismo estava na interpretação e no ponto de vista dos homens que haviam sido influenciados por ela”, diz Pedro. “Agora, a evidência está na Elis. Os arranjos das músicas que vamos mostrar são pensados para replicar as gravações originais. Afinal, o público que assiste aos espetáculos também se renova.”
João fala do significado de se fazer um projeto sobre Elis no palco de uma grande casa. “Ela passou a maior parte de seu tempo de vida artística no palco. O tempo em estúdio nunca era tão longo. Meu sonho era esse, fazer a plateia sentar-se, apagar as luzes da casa e soltar a voz de Elis, como se ela estivesse ali. A voz de Elis, retirada de uma fita master original, saindo pelas caixas de som de uma casa de shows. A voz de Elis, a capela, ocupando todo o espaço possível.” Ouvi-lo falar já causa tremor.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.