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Peça ‘O Corsário do Rei do Meu Pai’ revisita obra de Boal

Por Dirceu Alves Jr., especial para o Estadão

Em um ainda distante 2043, uma jovem de 20 e poucos anos (interpretada por Greta Antoine) vasculha o baú de seu pai, um professor e diretor de teatro já morto (papel de José Eduardo Rennó). No velho telefone celular, há muito em desuso, ela acha um arquivo sobre os bastidores de uma peça, uma tentativa de montagem, ocorrida entre 2020 e 2021 e nunca concretizada por conta do coronavírus. Trata-se de uma versão de O Corsário do Rei, musical escrito por Augusto Boal com canções de Chico Buarque e Edu Lobo.

De volta ao presente ou, pelo menos, a um passado recente, o diretor Dagoberto Feliz e o elenco da Cia. Coisas Nossas se reencontram no começo de 2020, uma década depois da bem-sucedida parceria em Noel Rosa, O Poeta da Vila e Seus Amores, texto de Plínio Marcos sobre o compositor carioca.

Era o início de um novo projeto, o citado O Corsário do Rei, dirigido por Feliz, que cumpriu dois dias de ensaios e foi pausado em razão da crise sanitária. “Vamos ter calma, esperar tudo isso se resolver e montaremos um lindo trabalho em breve”, foi o pensamento geral do elenco escalado, que reúne nove atores e três músicos.

O tempo passou, a pandemia ainda não foi controlada e, como teatro é um diálogo com o momento, a solução encontrada pelo grupo será conhecida a partir desta quinta, 9, em sessões diárias e gratuitas, às 20h, até o dia 20, no YouTube da Cia. Coisas Nossas de Teatro. Com adaptação e direção de Dagoberto Feliz, o espetáculo digital O Corsário do Rei do Meu Pai revisita a obra de Boal, Chico Buarque e Edu Lobo através de um “falso documentário” visto por aquela moça no obsoleto celular do pai. Nessa conexão entre tempos pandêmicos e um futuro imprevisível, a crítica social e política de Boal reafirma atualidade em diálogo com a metalinguagem.

O Corsário do Rei estreou no Rio de Janeiro em 1985 com ares de superprodução e um elenco liderado por Marco Nanini, Lucinha Lins e Nelson Xavier. Era o retorno de Boal aos palcos brasileiros depois de 14 anos de exílio e, na trilha sonora, apareciam Choro Bandido, Bancarrota Blues e A Mulher de Cada Porto, entre outras canções inéditas de Chico e Edu, que ganhariam vida própria e diferentes vozes nos anos seguintes.

A história remete ao corsário René Duguay-Trouin, uma espécie de pirata autorizado pelo rei francês a montar uma sociedade de ações para explorar o Rio de Janeiro no começo do século 18. A crítica não gostou tanto, o público ficou indiferente e até o próprio Boal confessou ter se sentido pouco à vontade no comando de uma produção tão grandiosa.

Dagoberto Feliz, porém, sempre enxergou possibilidades nesse enredo. “Trata-se da história de um cara pago para invadir e roubar uma cidade, algo que vemos de diferentes formas acontecer até hoje”, justifica.

Com a paralisação pandêmica, ele foi matutando, matutando até encontrar a melhor maneira de concretizar o projeto em meio às limitações. Primeiro foram as leituras no zoom, depois o trabalho em cima das canções e ficou clara a mudança que desejava na dramaturgia.

A cena inicial do texto, desenvolvida em um bar, resultaria artificial se registrada em um computador, com cada ator em sua casa. “Estava com essa ideia de documentário na cabeça depois de um trabalho com um grupo de alunos do Célia Helena Centro de Artes e Educação e pensei que poderia aplicá-la”, conta o diretor. “Achei também interessante o deslocamento do tempo, tendo uma criança nascida pouco antes da pandemia que veria como foi aquela época através dos registros tecnológicos que viraram nossa forma de se comunicar com o mundo.”

Assim, O Corsário do Rei do Meu Pai é uma peça que mostra atores empenhados em realizar uma peça, O Corsário do Rei. Além de Greta Antoine e José Eduardo Rennó, o elenco reúne Cristiano Tomiossi (que representa René Duguay-Trouin), Dani Nega, Rebeca Jamir, Priscila Castello Branco, Conrado Caputo, João Attuy e Nábia Vilela, além dos músicos João Attuy, Paloma Carvalho e Marco França, também diretor musical e intérprete do Rei. “Marco França é o homem dos mil instrumentos e ele resolveu muito bem a questões das músicas, que, até por serem conhecidas, funcionam como um respiro”, comenta Feliz. “Como a obra do Boal sempre conversou com a realidade de sua época, conseguimos manter a conexão sobre o que é fazer teatro na pandemia, uma época em que ok, estamos trabalhando, mas irritados, sempre acompanhados da frustração.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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