Perseverança e luta pela sobrevivência marcam a passagem do negro nos sertões do Brasil e tal é a história da formação de muitas famílias no país. Partindo desta base, o espetáculo “Constância” é fruto da reconstrução das memórias e da pesquisa das atrizes Joana Marinho e Claudia Ribeiro no Ateliê de Pesquisa do Ator (APA), no Sesc Paraty.
Com orientação cênica de Stephane Brodt, do Amok Teatro, o espetáculo tem dramaturgia e direção de Joana. “Constância” estreia sua versão online nesta quinta-feira, 25 de março, no canal da Eró Criação e Produção no Youtube, com acesso gratuito através de retirada de ingresso na plataforma Sympla.
Serão apenas quatro apresentações, de quinta a domingo às 20 horas, até 28 de março. Os governos federal e do Estado do Rio de Janeiro, através da Lei Aldir Blanc (LAB). apresentam “Constância”. Os diretores Stephane Brodt (Amok Teatro) e Carlos Simioni (LUME Teatro) coordenaram o APA entre 2014 e 2019.
Foi neste espaço, voltado para a pesquisa e desenvolvimento de técnicas das artes cênicas, que Joana e Claudia se conheceram e se debruçaram sobre suas memórias e a história de luta de seus antepassados para criar “Constância”. A peça estreou em 2019, em Paraty, e agora terá uma nova temporada em versão online, incorporando recursos próprios do audiovisual à montagem.
O palco escolhido para a realização da versão online de “Constância” é o mesmo onde se deu todo o processo de criação do espetáculo: o Instituto Silo Cultural, em Paraty – espaço que foi casa do APA até 2019. Criado em 2001 pelos artistas Luís Perequê e Vanda Mota, o instituto se localiza em um galpão de madeira originalmente construído há mais de 70 anos em uma fazenda mineira para estocar produtos agrícolas – daí o nome de Silo –, sendo remontado em Paraty para abrigar iniciativas culturais.
“Constância” utiliza a representação do boi e a persistência desse animal no imaginário nordestino, para falar do homem do sertão e de sua precária sobrevivência. A fuga do boi é retratada com suas proezas para escapar dos vaqueiros. O boi, que aqui representa o negro que foge e resgata sua liberdade, é forte, astuto e conhece o sertão, mas a natureza é imprevisível. “A peça fala da perseverança do negro no sertão e o fato da sua sobrevivência ter se dado muito por conta da geografia do lugar”, explica a autora.
Para construir a dramaturgia, Joana se inspirou em diversas obras da literatura e do cinema, além de cantigas antigas e vissungos – canto entoado pelos escravos durante o trabalho, alguns deles conhecidos pela voz da cantora Clementina de Jesus. Entre algumas obras percorridas estão o livro “Quarto de despejo”, de Carolina Maria de Jesus; o poema “Miradas sertanejas“, de Daniel Fagundes; e os documentários “Carro de bois“, direção de Humberto Mauro e “Aboio, a poesia do vaqueiro“, de Tárcio Araujo.
“Queríamos pesquisar sobre a influência da passagem do negro pelo sertão. Somos duas mulheres negras, que temos na nossa ancestralidade toda essa religiosidade presente no sertanejo. É uma religiosidade híbrida, entre magia, misticismo, passando pelo candomblé e a religiosidade indígena até o catolicismo trazido pela colonização”, conta Joana.