Por Maria Fernanda Rodrigues
Paula Fábrio estreou na literatura em 2012 com Desnorteio, um romance sobre família e loucura que conta a história de três irmãos que viram mendigos, e ganhou, aos 43, o Prêmio São Paulo. Depois veio o elogiado Um Dia Toparei Comigo. Santiago Nazarian lançou seu primeiro livro quase uma década antes de Paula, em 2003, aos 25. Olívio ganhou o Prêmio Fundação Conrado Wessel de Literatura e abriu as portas para o escritor e sua literatura feita de temas existenciais, linguagem pop underground, fantasmas, vampiros e jacarés.
Agora, os dois autores experimentam um novo gênero e uma nova linguagem e lançam livros para os pequenos leitores.
Aos 49, Paula Fábrio apresenta o juvenil No Corredor dos Cobogós (SM). E aos 42, Santiago lança o infantil A Festa do Dragão Morto (Melhoramentos). São duas histórias muito diferentes entre si, mas que abordam o encontro com o desconhecido – a vida, a adolescência, a família, no caso dela; o dragão, o mal, no caso dele.
A Festa do Dragão Morto acompanha a saga de uma vila que um dia amanhece em paz porque o dragão que perturbava seus moradores foi morto. Todos querem agradecer ao assassino e vão, em grupos, à sua casa. De dentro, uma voz pede que vão embora, que não é preciso agradecer. A vila se revolta com a falta de educação de seu novo ídolo e vai em peso, tentar mais uma vez, cumprimentá-lo pelo feito. E então vem o desfecho.
“Chamo essa história de uma fábula cínica”, explica o autor. “Não é uma história confortável, mas é algo que eu como criança gostaria de ler”, completa. Santiago conta que foi um menino medroso, que não gostava de brincar na rua, era tímido e gostava de videogame e filme de terror. “Eu me sentia confortável nesse universo do terror e dos monstros. Eu sabia que era um medo fantasioso, diferente de sair sozinho, de ser assaltado. Fui um nerd com um lado trevoso, protegido pela ficção”, relembra. Por isso, não espere um final feliz em sua estreia na literatura infantil.
“Acho que a intenção é provocar as crianças, ir abrindo a cabeça Elas são muito protegidas. Tenho isso de provocar, mostrar que a vida também é ruim e que o lado ruim da vida também pode ser divertido”, diz Santiago, que era chamado por sua sobrinha, que se assustava com ele quando era pequena, e para quem ele dedica o livro, de “tio vampiro”.
Essa história foi escrita há quase uma década não pensando exatamente nos pequenos leitores, mas quando a Melhoramentos perguntou se ele tinha algo para esse público, achou que o conto servia. Mexeu muito pouco, enfatizou repetições, e aproximou ligeiramente o texto, atemporal, do presente. No original, a certa altura, escreveu: “Ninguém decepciona nossas crianças”. No livro, saiu: “Somos gente de bem! Protegemos nossa família!”.
“Mexi em algumas coisas para dar uma alfinetada nos tempos de hoje. As pessoas de bem se unindo para linchar o mal imaginário. Alterei para provocar”, explica. Não há, porém, pelo menos para o autor, uma mensagem, uma lição. “Coloco valores lá que são questionáveis. A história permite interpretações dos dois lados. Não vejo muito claramente qual é a mensagem, e não gosto de literatura desse tipo. Não quero doutrinar as crianças; quero provocar”, diz Santiago Nazarian, que soma 10 títulos em seu currículo.
A vontade de escrever um livro juvenil surgiu para Paula Fábrio quando ela mediou um clube de leitura para adolescentes numa escola da periferia. Foram dois anos de convivência, e entre uma leitura e outra ela apresentava trechos de No Corredor dos Cobogós, que ela ia escrevendo. “Eles aprovavam ou não, me ensinaram muita coisa, me ajudaram, sobretudo, a ajustar a linguagem e a me reaproximar desse universo jovem, repleto de planos, descobertas e muita imaginação”, conta a autora.
Seu livro conta a história de dois adolescentes, Haidê e Benjamin, unidos por um diário que ela escreveu em 1982 e que ele encontrou em 2015, numa quitinete de temporada em Santos. É dedicado aos alunos de sua oficina, da Emef Fernando de Azevedo, e também ao crítico literário Alfredo Monte, que vivia na Baixada Santista e morreu aos 54 anos, em 2018.
“Eu queria contar uma história de amizade. Também queria falar sobre o tempo. Quando conheci o crítico literário Alfredo Monte, ele já estava doente, e eu percebi que não teríamos muito tempo juntos. Eu achava isso muito injusto, ter conhecido alguém tão inteligente, tão generoso, e saber que isso acabaria em breve: o tempo era meu maior inimigo. Assim, eu inventei uma amizade para nós e, com o livro, pude estender nosso convívio, mesmo que imaginário”, explica Paula.
Há um personagem mais velho, portador de esclerose lateral amiotrófica, que causou a morte do crítico, mas Paula diz que mudou todo o resto.
O livro é dedicado, também, à cidade de Santos, e uma tentativa de recriar umas férias roubadas da autora, menina à época. Era 1977, e a primeira vez que ela via o mar. Sua mãe teve seu primeiro surto de esclerose múltipla e ficou 30 dias deitada no sofá da quitinete alugada na Praia do Gonzaga.
“Foi nessas férias que eu convivi com outra menina, do apartamento vizinho, a Haidê, protagonista do livro. Além de Santos, Cubatão também recebe destaque devido a seus desastres ambientais na década de 1980. Havia naquela época uma atmosfera de receio sobre o futuro da cidade, a gente descia a Serra do Mar, passava por Cubatão com um certo pânico, era muito triste.”
Amizade, as dores do crescimento, famílias em transformação, doença, meio ambiente. Bons ingredientes para um livro juvenil que, nas mãos de Paula Fábrio, resultam em uma obra sensível.
“Escrever essa história foi um baita exercício de alteridade, olhar com atenção para os conflitos de cada personagem e não promover preconceitos e estereótipos. Ao mesmo tempo, não ser chata e excessivamente didática. É tudo muito delicado.” E foi um reencontro. “Acho que fui um pouco como todos eles, Haidê e seu desejo de conhecimento, Benjamin e seu ‘flerte’ com o cachorrinho Sivuca, Nereu e seus complexos. Recebi certa discriminação social na adolescência como Nereu e também por ser um pouco nerd como a Haidê. Assim me juntei a poucos e bons amigos, como eles, e ainda mais aos livros.”
A FESTA DO DRAGÃO MORTO
Autor: Santiago Nazarian
Ilustração: Rogério Coelho
Editora: Melhoramentos
(40 págs.; R$ 55)
NO CORREDOR DOS COBOGÓS
Autora: Paula Fábrio
Editora: SM (132 págs.; R$ 41)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.