Historicamente os brasileiros foram induzidos a acreditar que a política não é coisa séria. Na época da votação em cédula de papel era comum pessoas anularem seus votos por protesto ou brincadeira. Para denunciar a falta de opção, em 1988, humoristas lançaram a candidatura de um chimpanzé para a Prefeitura do Rio de Janeiro, o famoso Tião conquistou 400 mil votos e foi parar no Guinness Book. Já em 2010 um palhaço fez campanha caricata zombando dos políticos e dos próprios eleitores e acabou eleito deputado federal mais votado do país com 1.348.295 votos. Acreditando que a fórmula era promissora, muitos partidos passaram a investir em candidaturas caricatas.
Na última eleição, a taxa de renovação da Câmara dos Deputados foi de 44%, se igualando às duas menores desde a redemocratização (em 1998 e 2010). Empossada há exatos 60 dias a nova legislatura possui em seus quadros personalidades exóticas, especialistas em redes sociais, Fake News e polêmicas. Vários sem qualquer lastro político, formação jurídica ou convicção ideológica, optam pela lacração. Para quem não está acostumado com a linguagem da internet, lacração é considerada um sinônimo de “arrasar” ou “mandar bem”.
Na semana em que os fatos políticos mais relevantes deveriam ser a apresentação do arcabouço fiscal e o retorno do ex-presidente para, entre outras coisas, explicar o imbróglio das joias sauditas, o convite para o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino prestar informações na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara sobre ações pós-8 de janeiro e ida ao Complexo da Maré ganhou todos os holofotes. Há quem diga que o objetivo do convite era justamente desviar o foco.
Mestre em Direito Público, Flávio Dino carrega em seu invejável currículo 16 anos como juiz federal e na política foi eleito deputado federal, governador e senador. Professor de Direito Constitucional estava preparado para encarar a “5ª Série da Política”. Deu uma verdadeira aula, mas também não deixou de transformar sua participação em um show, devolvendo cada provocação com fundamentos teóricos irretocáveis acompanhados de doses de ironia.
Embora muitos tenham vibrado com o desempenho, o certo é que o que assistimos naquela sessão e nas demais reuniões do Congresso até o momento foi algo no mínimo lastimável. Parlamentares com dificuldade de leitura, oratória e sem conhecimento básico de regimento interno e legislação integram a CCJC, comissão mais importante da Casa Legislativa. Situação semelhante é encontrada em outras comissões temáticas relevantes. Enquanto congressistas de diversos partidos trocam ameaças, insultos e quase chegam à agressão física, seus assessores ficam espremidos entre as mesas atuando como produtores de vídeos e conteúdos, na busca pela frase de efeito ou pela imagem que irá “bombar na web”.
Durante a sequência evolutiva, para evitar que todos os conflitos fossem resolvidos à base da violência, a humanidade desenvolveu a política e criou o parlamento como mecanismo onde os temas fundamentais da convivência fossem debatidos. Atribuiu competência para que deputados e senadores estabeleçam leis e normas em geral para regrar direitos, deveres e formas de conduta. Quando o próprio Congresso tem dificuldade em compreender o seu mister, é necessário parar e fazer uma intensa reflexão sobre os rumos que tomaremos.
Em diversas casas legislativas brasileiras, observamos muito palanque e pouca produtividade. O país possui demandas econômicas e sociais urgentes que precisam de serenidade e competência. Política é coisa séria sim! Basta de pantomina, lacração e espetacularização no Parlamento!