Por Julio Maria
O Bourbon Street Music Club, uma das casas de jazz e blues mais tradicionais de São Paulo, pode fechar as portas em definitivo nos próximos meses. Segundo o empresário Edgard Radesca, que não é contra as medidas restritivas de combate à pandemia, não há como suportar os efeitos de uma segunda paralisação das casas de shows. Elas estão proibidas de abrir desde o sábado, 6, quando se iniciou oficialmente a fase vermelha no Estado de São Paulo. Até o dia 19 de março, um prazo que pode ser prorrogado, parques, casas de show, academias, bares, museus e cinemas deverão permanecer fechados.
Depois de enfrentar o primeiro fechamento, em 2020, Radesca conseguiu reabrir seu espaço para shows em outubro, seguindo as normas com mesas distanciadas e diminuindo seu faturamento para receber apenas 40% da capacidade.
O Estadão esteve na reabertura de algumas casas para conferir o nível de segurança que elas ofereciam ao cliente. Comparada a outras, como o Blue Note, na Avenida Paulista, o Bourbon apresentou o melhor serviço e as condições que proporcionavam sensação de segurança sanitária (com seu pé-direito alto e seu distanciamento maior entre as mesas).
Alguns dos empregados que haviam sido demitidos para poderem sacar seus fundos de garantia foram readmitidos e a própria família trabalhou duro para fazer a reabertura com um show do bluesman Nuno Mindelis, que também aceitou fazer uma apresentação por um cachê reduzido. Radesca, em um ato simbólico, decidiu ainda investir suas economias em uma reforma interna para criar um espaço novo e ventilado enquanto todos os empresários puxavam o freio.
Ao reinaugurar o Bourbon, em outubro, ele apresentou também o charmoso Jazz Café, um espaço quente e muito bem decorado com bar, mesas e piano para happy hour aos finais de semana.
Cinco meses depois, um novo lockdown mina as suas últimas forças “Infelizmente, fizemos o possível. Não consigo manter essa estrutura por mais de três meses”, disse ao Estadão, no último sábado. “Os funcionários estão vindo apenas para buscar as coisas da geladeira, para não deixar os alimentos perderem a validade. É muito triste.”
Bourbon Street: uma história de 28 anos. A única saída para evitar o fechamento da casa seria o interesse de um sócio-investidor. “Alguém que conseguisse fazer essa travessia”, responde o empresário. Além de trazer uma marca forte, com a história de uma casa fundada por BB King em 1993 – o guitarrista voltaria ao mesmo palco por mais dez vezes – e que abrigou shows de Ray Charles, Nina Simone, Betty Carter, George Benson, Diana Krall, Wynton Marsalis, Brad Mehldau, Joshua Redman, Koko Taylor, Dr. John, Taj Mahal, Junior Wells, Pat Metheny e o mago dos órgãos Hammond, o tecladista Jimmy Smith, o nome sustenta ainda dois festivais anuais. O Bourbon Street Fest tem 16 anos e leva até 30 mil pessoas em suas edições, e o Bourbon Festival Paraty, com nomes nacionais e internacionais, acumula 11 edições e rende 97% de ocupação da rede hoteleira da cidade de Paraty, no Rio.
Outros números levantados em 2020 mostram uma performance grandiosa de um espaço que não desvirtuou sua proposta musical mesmo em períodos de crise. Em mais de duas décadas de trajetória, foram mais de 7,5 mil shows de 1,5 mil artistas, dez premiações oferecidas por revistas especializadas, mais de dois milhões de pessoas na plateia, cerca de 50 turnês de artistas internacionais e mais de 40 edições de festivais e shows realizados ao ar livre.
Um sócio o faria também retomar o planejamento de expansão no momento econômico mais adequado. Um velho plano de Radesca é levar a marca Bourbon Street para outras cidades, abrindo casas em praças como Brasília, Rio e Minas Gerais. “Sempre pensei que isso ajudaria a dividir as contas na hora de trazer as atrações internacionais, fazendo com que elas se apresentassem também nessas outras casas.”
Radesca sabe das dificuldades de se encontrar um aliado em um momento de pandemia, mas se mantém em pé mesmo quando fala do perfil de um suposto sócio. “Não é um negócio só para quem tem dinheiro. É preciso gostar de música.”
Gastronomia do sul dos Estados Unidos. Sem o Bourbon, a cidade perde também a única casa de cardápio inspirado nas criações de New Orleans, com pratos da cultura créole (um resultado das combinações criadas por negros filhos de franceses com negros norte-americanos típicos no sul dos Estados Unidos) como o gumbo e a jambalaya. O drink servido ainda hoje na Bourbon Street original, uma das ruas mais movimentadas de New Orleans, é o Hurricane, que Radesca trazia diretamente de suas viagens anuais à cidade que inspirou seu sonho.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.