A tortura é considerada como crime assemelhado ao hediondo, previsto no artigo 5º, XLIII, da Constituição Federal e no artigo 2º, da Lei 8.072/1.990.
A tortura é celebrada pelo nosso curandeiro presidencial que a defende como meio lícito, fartamente adotado no regime militar. Mas, antes já existia, e depois dela continua a existir nas cadeias e penitenciárias, e fora delas. A tortura não é só física, pau de arara, ou coisa pior ou parecida. A mais recente foi a da ameaça ao editor da The Intercept Brasil, Leandro Demori, que desventrou a corrupção interna da Lava-Jato, construindo com provas a Vaza-Jato. Ele de férias, passeando com a esposa e filha, numa cidade praiana, Camboriú (SC) um estranho dele se aproximou e lhe disse “para eu me ligar, pois, a vida de meu filho depende de mim”.
Não é só da tortura que a desinteligência da humanidade vive, pois, ela é a promessa de morte. Ela encontra coerência, no expressivo qualificativo presidencial de “gripezinha”, no início da crise sanitária, deparando-se, agora, com a inacreditável declaração de “Não matou ninguém, bem-vindo, vírus”, com que o destempero nos assombrou, saudando o surto da nova cepa, a da Ômicron, que faz com que o “Brasil tem quase 100 mil casos de covid-19 em 24 horas”, como está na manchete do jornal Valor, do último dia 14 desse mês de janeiro.
Para nosso curandeiro presidencial esta saudação amorável ao vírus nada mais é do que a despedida final, que para ele acontecerá como o canto do cisne da maldade. Sua antevisão é patológica, doentia, porque historicamente, quando um surto acontece, ele causa destruição de vidas, às vezes aos milhões, depois ele se recolhe, não se sabendo para qual esconderijo, para ressurgir num tempo que também não se sabe quando. Tanto que a vacina serve de blindagem, de imunidade, a essa recorrência, tal como aconteceu com a varíola, a pneumonia, a cólera, o tifo, a febre amarela, gripe suína, a gripe asiática, a gripe espanhola, que “exigiu um esforço internacional para ser debelada”. Portanto, a declaração assombrosa ingressa no “bestialógico”, que invadiu o país. Com muita gente aderindo a ele, com alienação plena.
A questão que emerge dessa crise é saber se uma política pública, calculadamente omissa, agravada por declarações sucessivas de negacionismo científico, que de toda forma procura adiar a aplicação de vacinas, não as comprando a tempo e a hora, ou criando obstáculos administrativos para adiar sua aplicação, com a morte de milhares de pessoas, pode ser compreendida, mesmo com toda dissimulação, como assemelhada ao crime de tortura.
Essa é uma pergunta importante, pois, se tal compreensão for adotada, um dia, o perigo que corre o responsável é tão aterrador quanto à do vírus invisível. Esse perigo nasce, outra vez, no julgamento da justiça alemã, que condenou à prisão perpétua um ex-militar da inteligência síria, como responsável por 58 assassinatos. E brevemente, outro Tribunal, esse de Frankfurt julgará um médico, acusado de torturar prisioneiros em um hospital em Homs, e de matar um com aplicação de injeção letal (Folha de São Paulo de 14/01/2022).
Se um Tribunal espanhol pegou o generalíssimo Pinochet na Inglaterra, agora a justiça alemã condenou o militar sírio, sendo que os crimes aconteceram nos respectivos países, ou seja, Síria e Chile.
O julgamento da condenação na Alemanha, tal qual o da Espanha, ocorreu “sob o princípio da jurisdição universal que diz que alguns crimes são tão graves que podem ser julgados em qualquer lugar do mundo” (Folha de São Paulo, 14/01/2022).