Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico sobre a automedicação dos brasileiros não é nada positiva. Segundo o levantamento, atualmente o número de pessoas que se automedicam no Brasil é de 89%. Um aumento considerável desde 2014, ano em que a coleta de informações começou a ser realizada. Naquele ano 76% da população declarava se automedicar sem qualquer reserva. Já em 2016, esse índice variou para 72%; em 2018 cresceu para 79%, e em 2020 subiu para 81%. A pesquisa ouviu 2.099 pessoas, em 151 municípios. A margem de erro máxima para o total da amostra é de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos, no nível de confiança de 95%.
Segundo especialistas, por mais que a automedicação pareça simplificar a resolução de um problema, essa prática, na verdade, pode agravar a situação. No país, de acordo com o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), são registrados, por ano, mais de 30 mil casos de internação por intoxicação medicamentosa. Estima-se que 20 mil pessoas morrem em função dessa atitude anualmente.
A automedicação é tão grave, que se tornou um problema de saúde pública para a Organização Mundial da Saúde (OMS), que calcula que metade de todos os pacientes no mundo utiliza medicamentos incorretamente e sem receita médica.
Para o fundador do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ), Marcus Vinicius de Andrade, todos os medicamentos podem desencadear efeitos adversos e intoxicação. Os dados mais recentes apontam que cerca de 27% das ocorrências de intoxicação no Brasil são causadas por uso indevido de medicamentos – sendo que 2% correspondem à automedicação, número que representa praticamente o dobro dos casos de picadas de animais peçonhentos, que ocupam a segunda posição.
Dados do ICTQ mostram também que os brasileiros têm o hábito de pesquisar em sites de buscas sobre seus sintomas de saúde para se automedicarem. Em 2018, esse índice era de 40%. Atualmente, 47% buscam indicação de medicamento em sites como o Google e 21% confiam na indicação de medicamentos pelas redes sociais.
“A questão da automedicação vai além do aspecto cultural do brasileiro, como se convencionou dizer. Contudo, a automedicação não é só uma cultura. É também o resultado de como o nosso sistema de saúde se organiza e controla a comercialização de medicamentos”, fala Andrade.
Ele explica que cada medicamento é ímpar e possui componentes químicos que podem desencadear diversas reações no organismo humano, variando de paciente para paciente. Por isso a precaução é essencial, bem como o uso consciente para um tratamento mais efetivo e exitoso.
Outro estudo, publicado na Revista da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo – USP, com dados obtidos entre 2009 e 2018, revela que o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox) registrou naquele período 254.135 casos de intoxicação no Brasil, com um total de 710 óbitos (0,28%), sendo os medicamentos a principal causa de intoxicação dentre todos os agentes notificados.
Somente em 2016, a intoxicação acidental foi uma das principais causas das ocorrências com medicamentos, representando cerca de um terço dos casos notificados (32,7%). No mesmo período, foram registradas 85.811 internações hospitalares devido à intoxicação medicamentosa, sendo 3% causadas por medicamentos isentos de prescrição (MIP). Do total, 2.644 casos (3,08%) resultaram em óbitos.
Os principais medicamentos usados por conta própria são os analgésicos com 64%; antigripais, 47% e relaxantes musculares com 35%. Sintomas como ansiedade, estresse e insônia também são motivos para automedicação em, pelo menos, 6% da população.
Contra a venda de remédios em supermercados
O Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP) se manifestou sobre os riscos que a possível autorização da venda de medicamentos – que dispensam receita médica – em supermercados e estabelecimentos similares pode acarretar à saúde pública.
A entidade decidiu reforçar o alerta após o deputado federal Domingos Sávio (PL) apresentar, no dia 19 de abril, proposta de emenda ao Projeto de Lei 1.774/19 à Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados com nova redação. O texto diz que o comércio de medicamentos isentos de prescrição pode ser feito em supermercados e similares, “sem a necessidade de intervenção de farmacêutico para a dispensação”.
Segundo o Conselho, além dos riscos implícitos na comercialização de medicamentos em locais que não contam com a assistência farmacêutica, gerando a falsa impressão de que esses produtos podem ser tratados como qualquer mercadoria.
O posicionamento do Conselho se baseia em estudos que apontam dados estatísticos sobre automedicação, intoxicações, internações e até óbitos em decorrência do consumo incorreto ou abusivo de medicamentos, inclusive os que dispensam receita.
Muitos pacientes cometem erros, abusos e sofrem consequências adversas devido à automedicação. Como exemplo, pode-se citar que em pacientes que se automedicam, a ocorrência de eventos adversos é 28% superior quando comparada com os pacientes que não fazem a prática da automedicação.
Para o presidente do Conselho, Marcelo Polacow, a proposta da emenda apresentada pelo deputado Domingos Sávio é o tipo de iniciativa que possui caráter único e exclusivamente comercial e sem comprometimento com a saúde da população. “Medicamentos não são produtos comuns e não podem ser banalizados. Temos muitos dados que comprovam que o uso inadequado de medicamentos é uma das principais causas de intoxicação no país e que isso representa importantes custos para a saúde, não só ao SUS, mas também à toda rede privada e planos de saúde”.
O CRF-SP é a maior entidade fiscalizadora de estabelecimentos farmacêuticos do país, com mais de 80 mil fiscalizações anuais em farmácias, drogarias, hospitais, indústrias, laboratórios, transportadoras, mais de 77 mil profissionais inscritos e 35 mil estabelecimentos registrados no Estado.
Criada Frente Parlamentar em Defesa da Assistência Farmacêutica
Em evento realizado na quarta-feira, 10 de maio, deputados da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) lançaram oficialmente a Frente Parlamentar em Defesa da Assistência Farmacêutica. O grupo suprapartidário pretende discutir e propor ações para o fortalecimento e ampliação da atuação dos profissionais dessa área no Estado, com o objetivo de aprimorar a legislação e as políticas públicas que tratam do assunto. A questão do uso racional de medicamentos, por exemplo, é um dos temas prioritários.
A Frente Parlamentar também nasceu para realizar e apoiar debates, simpósios, seminários e outros eventos pertinentes que tratem de temas importantes relacionados à assistência farmacêutica. Há o compromisso de criar um grupo de trabalho para discutir ações que garantam a presença de farmacêuticos aos usuários de medicamentos em todas as unidades públicas de saúde paulistas.