Talvez a tênue linha que separa a ficção da realidade, a vida da morte, o justo do injusto, o bem do mal, seja mais perceptível e presente em nosso graves e descrentes dias. Pensando sobre a luta eterna e o confronto das palavras, acordei sem saber se era lucidez ou devaneio, pois me vi transportado aos bancos escolares e vi com perfeição as silhuetas de mestres como Sérgio Roxo, Willian Vanderlei Jorge, Seixas Santos, José Bíscaro, Valentin Carrion e tantos outros monstros sagrados do Direito e da Academia.
Naqueles tempos aprendemos com orgulho e o peito cheio e vivíamos a declamar quase em coro diversas teses, artigos, jurisprudências, súmulas e todas a literaturas que não brotavam do Google, site ou blogs, emergiam das palavras nos livros, com seu cheiro delicioso do papel e seu farfalhar das folhas ao serem viradas sob o brilhar dos olhos.
Hoje, assustado, vejo que já existem petições prontas, apenas cabendo ao dito cujo preencher a qualificação civil, um bruto absurdo, petições brotavam das Remingtons e Olivettis, ao som gostoso dos batuques nas teclas. Os tempos são outros, com respeito, acato e aprecio:
“As pessoas têm medo de mudar, pelo contrário, tenho medo que as coisas não mudem”. Agora, petições já surgem prontas, soa bizarro e decadente. Dias atrás recebi uma propaganda nas redes sociais de uma editora, “mil e quinhentas petições para todas as áreas”, listando previdenciárias, cíveis, criminais, tributárias, trabalhistas e tudo o mais, inclusive com as devidas e competentes jurisprudências. Um verdadeiro atentado à pesquisa, conhecimento e o saber jurídico.
Voltando aos tais ditos, me vem a memória as vozes deles, com meus parcos 16 anos, “capiau”, chegando de Minas Gerais, onde uma cidade lembrava um imenso turbilhão. Nunca havia visto alguém levantar a cabeça, olhar para um estranho aparelho pendurado em um poste de ferro, esperando perplexo e catatônico uma cor para atravessar a rua ou para se deter. Nunca entendi uma das três cores, que passava muito rápido e diziam significar atenção.
Assim aprendemos:
“Todos são iguais perante a lei, o ônus da prova é de quem acusa, as provas precisam ser robustas e incontestáveis, direito ao contraditório, presunção da inocência, in dubio pro reo, todo poder emana do povo e em seu nome é exercido, ninguém, será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, são garantidos os direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à moradia e à segurança, todo cidadão é livre, e pode recorrer à justiça, quando necessário for, sem ser oprimido, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” e tantos outros que me enchem de saudades, apertam o peito e marejam os olhos.
Hoje, chegando na casa dos quase e imediatos “sessenta”, observo com tristeza, melancolia, repugnância, torpor, desprezo e um lampejo de ódio que rasgaram a Carta Magna.
Com humildade vaticino e indago: que importância podem ter hoje o CP, CPP, CC, CPC, CLT e outras leis hoje, bobagens amenas, em absoluto desuso e ao sabor das traças?
Penso que é possível encerrar todos os cursos de ciências jurídicas pelo país, não possuem quaisquer serventias e utilidades, me lembrei imediatamente do João Cabral de Melo Neto, “in” Morte e vida Severina: “e aquele cemitério ali, branco na verde colina, decerto pouco funciona e poucas covas aninha”.
Tenho pena das legendárias “Arcadas de São Francisco”, chama viva da luta pela liberdade, a busca incansável do justo e do bem comum.
As Arcadas, hoje, são apenas uma lápide.
Aqui jaz!