Tribuna Ribeirão
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Os Miseráveis 

Elson de Paula *

O sonho é o alívio das misérias dos que as têm acordados.” Miguel de Cervantes 


Certa vez assisti um vereador de Ribeirão Preto afirmar na tribuna de uma Sessão Ordinária na Câmara, que uma Pessoa em Situação de Rua não sai da rua por falta de vontade, por não querer trabalhar, por querer viver sem nada fazer na vida. 

 Outra vez, ouvi de uma senhorinha no centro, que estes “moradores de rua” sujam a cidade, defecam e urinam onde querem, que não tomam banho, não trocam de roupas, e que são vagabundos, imprestáveis. 

E recentemente ouvi de um pastor evangélico que falta-lhes (às Pessoas em Situação de Rua) Deus em suas vidas. 

Parando para refletir, os 3 relatos acima estão certos. Ou não? 

Não exatamente como se expressam e pensam. 

O vereador está certo, para a maioria das Pessoas em Situação de Rua, falta a vontade de trabalhar, mas porque se encontram em condições de miserabilidade, de vulnerabilidade extrema e se acostumaram com isso, e para que possam aceitar uma simples proposta de trabalho, precisam antes, tratar de suas dores, dos seus vícios, das suas doenças, das suas ausências e suas necessidades, precisam recuperar sua dignidade e sua condição de cidadãos comuns. 

A senhorinha de cabelos brancos está certa, eles urinam e defecam em praças públicas, nas calçadas, mas porque não tem sanitários públicos para fazê-lo, e se vivem sujos, fedidos, mal vestidos, é porque faltam-lhes banheiros comunitários para tomar um banho, lavar suas roupas, fazer sua barba e cortar seu cabelo, faltam-lhe opções e lugares adequados para isso em nossa cidade. 

O pastor evangélico também está certo, falta Deus na vida destas Pessoas em Situação de Rua, mas na ocasião que ouvi isso dele, perguntei-lhe “qual Deus pastor?”, e diante do seu silêncio, continuei, “o Deus que só atende aquele que aceitá-lo em conversão? O Deus que só ajudará aquele que frequentar a vossa igreja e vossos cultos? O Deus que só salva quem se ajoelhar e louvá-lo?”. 

O que o vereador, a senhorinha e o pastor não sabem, ou fingem não saber, é que uma Pessoa em Situação de Rua só está em Situação de Rua porque faltou-lhe em algum momento da sua vida o apoio familiar; faltou-lhe também  a presença da Igreja e de um Deus de compaixão plena por todos, sem cobrar-lhes a conversão e a fidelidade; e faltou-lhe a presença do Estado, com Políticas Públicas plenas e eficazes, na Assistência Social, Saúde, Moradia, Educação, Trabalho, Cultura, Segurança Pública, entre tantas outras ausências mais. 

Eles, o pastor, o vereador e a senhorinha, não sabem também que habitar a calçada é muito cruel e triste, é o pior tipo de vulnerabilidade que pode uma pessoa viver, e qualquer humano que esteja nessa situação, jamais desejaria, mesmo que fosse um “sem vontade”, um “vagabundo e imprestável”, ou um “descrente”. 

Às vezes me sinto cansado de tanto gritar pelos “quatro cantos” dessa cidade, a norte, sul, leste e oeste, que olhem por esses nossos Irmãos e Irmãs com compaixão, e que se toquem que essa SITUAÇÃO só mudará um dia, se todos juntos mudarmos nossos conceitos vis e desumanos, buscando Política Públicas eficazes e plenas, e ações de Amor ao Próximo, pois são estas Pessoas, o Nosso Próximo. 

Ribeirão Preto não tem Políticas Públicas suficientes para as Pessoas em Situação de Rua para atender ao tamanho real dessa população. A Rede Protetiva presente no município não atende nem 20% do seu total. 

Um exemplo, Idosos em Situação de Rua presentes em nossa cidade hoje, sequer tem um lugar para ser acolhidos, e permanecem nas ruas, na chuva, no sol, sem alimentação, sem água, sem banho, dormindo na calçada dura e fria, e eles existem, e não são poucos, acreditem. Isso é cruel e desumano! 

ENFIM, até quando vamos preferir ouvir e dar razão ao pastor, ao vereador e à senhorinha, e ignorar que só resolveremos essa questão, olhando profundamente para as misérias dessa gente, enxergando seus sonhos, que são bem parecidos com os nossos, sonhos de ter uma vida digna e cidadã? 

PENSEMOS NISSO! 

 * Jornalista, representante do Movimento Nacional de Luta em Defesa da População em Situação de Rua e cofundador e coordenador do Fórum de Defesa da População em Situação de Rua de Ribeirão Preto (Pop Rua RP) 
 

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