Tribuna Ribeirão
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Os livros da feira 

Sérgio Roxo da Fonseca *
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Naquela manhã a Praça XV acordou mais cedo com as pessoas que iam e vinham pela General |Osório, aguardando a abertura da Feira do Livro. Uns ficavam na esquina da Rua Tibiriçá, defronte da loja do Francisco Adarias Soares. Outras já atravessavam a rua, tomando a frente das Lojas Alemãs, ali do lado da Gruta Gelada, para tomar o refresco da manhã. Os maus apressados já alcançavam A Deliciosa, aquela das frutas muito coloridas, há poucos metros do Pinguim.

O noticiário era transmitido pela PRA7 uma das rádios mais antigas do Brasil., até então instalada na esquina da Tibiriçá, de onde transmitia ou de manhã ou no início da noite músicas clássicas. Hoje o locutor falava da Feira dos Livros.

O Valdemar já engraxava sapatos na calçada do Pedro, II. Bem defronte estavam instaladas as prateleiras cobertas de livros e revistas, especialmente O Cruzeiro.

Pela Duque de Caxias, passando defronte do estúdio do fotógrafo Cantarelli, eu acompanhava o amigo Laudo Costa que, por sua conta, sem qualquer professor, já estudava a língua alemã. Preparava-se para ser médico oftalmologista, especializado em cuidar do câncer. Dedicou todos os dias de sua vida  a ler livros e a cuidar dos olhos  das crianças atingidos pela doença.

Na feira consegui comprar o livro mais falado da época. o “Ulisses” de James Joyce que retrata a vida de um judeu irlandês, seguindo os passos do grego Homero, narrando a epopeia de Odisseu, retornando da guerra de Troia, saindo em direção de Ítaca, onde se encontra a sua esposa Penélope.

O Ulisses de Joyce caminha pela Irlanda, mas refletindo a aventura do Odisseu grego. O livro de Joyce, considerado, por muitos como a melhor obra do século XX, foi censurado pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido.

Adquiri o Ulisses irlandês naquela antiga e sempre eternizada Feira do Livro de Ribeirão Preto.

Alguns anos depois, já na faculdade, conheci o meu colega José Guilherme Melchior, primeiro lugar no exame de ingresso na carreira diplomática. Tornou-se um dos mais cultos daqueles tempos. Naquele dia levava o Ulisses de Joice em suas mãos.

Até então eu não conhecia o José Guilherme. Perguntei onde havia comprado o livro. Respondeu-me- que havia comprado em Portugal. Perguntou-me se me interessava pelo Ulisses. Disse-lhe que sim, pois tomara conhecimento da obra lendo os artigos que um tal de José Guilherme Melchior escrevia nos jornais.

Ele, com a voz baixa, acrescentou: “o José Guilherme sou eu”.

A imprensa da época noticiava que o Brasil era dotado de dois gênios. Uma era o Pelé que havia nascido sabendo todas as regras do futebol. Outro era o Melchior que ao nascer já chorava em meia dúzia de idiomas diferentes.

Aprendi então quais eram quais eram os possíveis rumo do Ulisses de Joyce e o do Odisseu de Homero.

Sabemos agora que a nossa Feira do Livro retorna ao seu lugar, instalada na Praça XV olhando para o Pedro II. Nelas, seguramente caminham todas as grandes personagens brasileiras e estrangeiras sob a capa de livros guardados depois na memória.\Não só o Ulisses que caminhou pela Irlanda e pela Grécia, agora instalado ao lado do Grande Sertão e Veredas, escrito pelo nosso Guimarães Rosa, mineiro, médico e extraordinário diplomata brasileiro.

Estaremos lá para aprender por onde eles caminham. E para onde foram aqueles amigos que naquela época habitavam a Praça XV naqueles tempos antigos.

* Advogado, professor livre docente aposentado da Unesp, doutor, procurador de Justiça aposentado, e membro da Academia Ribeirãopretana de Letras
 

 

 

 

 

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