Por Hugo Luque
Parece até injusto que apenas uma competição possa definir uma carreira, mas essa é a grandeza dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Para que tudo saia como o planejado, no mais alto padrão de organização, milhares de pessoas auxiliam e bilhões de dólares são depositados na construção de uma cidade efêmera dentro de outra já existente.
Natural de Jaboticabal (SP), na região de Ribeirão Preto, Jéssica Messali viu e viveu tudo isso de perto quando disputou o triatlo nos Jogos Paralímpicos de Paris. Apesar da estrutura de brilhar os olhos da Cidade Luz, Jéssica e sua delegação optaram por passar o menor tempo possível na Vila Olímpica, a movimentada “casa” dos competidores durante o evento.
“Fiquei na Vila Olímpica por cinco dias, porque o intuito era não ficar muito tempo lá, justamente por ter muito barulho e dificuldade de alimentação. Fomos bem em cima para chegar, arrumar os equipamentos e já competir. Fui mais perto da competição. A Vila Olímpica tinha toda a estrutura de alimentação e treinamento, mas é um ambiente muito tumultuado”, conta a paratleta, que também detalhou a complexa logística.
“Precisava pegar um ônibus para ir até a piscina. Local para pedalar na rua não tinha, então precisava pedalar no rolo (equipamento acoplado à bicicleta para que os pneus rodem mesmo sem sair do lugar). Foi por isso que optamos por ir bem em cima [da hora], somente para competir.”
Paris não foi o único destino fora do Brasil para a preparação, que começou um ano antes, com um extenso cronograma. A primeira parada na Europa foi em um uma pequena cidade de 12,5 mil habitantes perto de Lisboa, em Portugal.
Por lá, ela teve tempo e tranquilidade para manter a forma para o principal evento do ano. Antes dos Jogos, a paulista havia disputado outras quatro competições com o intuito de conhecer ainda mais as adversárias.
“A seleção brasileira escolheu Rio Maior, em Portugal, como centro de treinamento para permanecermos treinando, pois lá atendia às três modalidades: ciclismo, natação e corrida. Isso além de musculação e a parte de recuperação, fisioterapia, massoterapia e alimentação.”
Boas lembranças
Brasileira mais bem colocada do ranking, Jéssica, infelizmente, teve um problema com sua cadeira de rodas de corrida na véspera do evento. Sua equipe tentou consertar a tempo, mas quando ela fechou as etapas de natação e ciclismo na terceira colocação, que renderia uma sonhada medalha de bronze, percebeu que seria obrigada a abandonar a prova. A recordação de ter tido a oportunidade de estar em um ambiente tão rico para um competidor, todavia, parece ter sobreposto a frustração com o resultado final.
“Conviver com os atletas referências nas modalidades é incrível, porque você tem uma troca de experiência, por mais que seja pouca, durante o treino. Você vê uma rotina de preparação pré-treino que um atleta tem, uma rotina de alimentação, além de conhecer e conviver, que é muito incrível.”
É a prova que toda referência tem em quem se espelhar. Afinal, Jéssica carrega consigo em toda competição a admiração dos fãs que fez ao longo do caminho, iniciado em 2017 na modalidade que disputa.
O reconhecimento é cada vez maior, mas a vida de quem busca uma medalha não tem folga, nem mesmo para “turistar” na quinta cidade mais visitada do planeta. Por isso, Jéssica terá de voltar no futuro para descobrir se Paris é mesmo uma boa ideia, como tanto dizem.
“Todos os dias que eu estava lá, a prioridade era treinar e também fazer fisioterapia, manter meu corpo bem. Todo dia tinha natação, ciclismo e corrida. A seleção brasileira não autorizou que nós saíssemos da Vila Olímpica, então não conheci Paris”, relata a paratleta, que, a partir do que conseguiu ver, elogiou a acessibilidade parisiense para cadeirantes.
“Era 100%, era incrível. No local dos Jogos, eles pensaram em tudo. Tinha muitas escadas, mas eles colocaram elevador, então não tenho nada que reclamar. As Paralimpíadas de Paris, tanto na Vila quanto nos locais das provas, foram totalmente acessíveis.”
Terceira tentativa?
Essa foi a segunda participação de Jéssica em Jogos Paralímpicos, que também competiu em Tóquio, no Japão, em 2021. Antes daquela edição, a brasileira precisou superar rapidamente um grave acidente. Ela sofreu queimaduras no pé durante uma sessão de sauna e teve de amputar sete dedos.
Contrariando as previsões, terminou a prova na quarta posição. A principal diferença, na visão dela, foi a torcida. Na edição japonesa, não houve presença de público por conta da pandemia. A mudança, contudo, foi positiva.
“Estar em mais uma Paralimpíada me deu mais experiência, então acho que estava mais focada no resultado e na medalha do que desfocada com a energia e com toda a questão da dimensão de estar em uma Paralimpíada. Ter a torcida em um evento tão importante foi incrível. As ruas estavam lotadas e, por mais que eu não conseguisse prestar tanta atenção no que estava acontecendo por estar extremamente focada na prova, sentia a energia, o grito, a torcida. Eu nunca participei de um evento com tantas pessoas e tanta torcida”, diz a orgulhosa paratleta.
Na primeira edição, as queimaduras atrapalharam a preparação. Na segunda, a cadeira de rodas acabou com as chances de pódio. Agora, Jéssica faz mistério sobre uma terceira tentativa em Los Angeles, daqui a quatro anos.
Tem muito chão pela frente. Porém, a brasileira quer tentar manter desempenho que rendeu o vice-campeonato mundial no último mês de outubro, na Espanha, para carimbar o passaporte nos Estados Unidos em 2028.
“Tenho expectativa de ir aos Jogos de 2028, mas minha meta é lutar por uma medalha, então vou viver um ano após o outro. Estarei com 41 anos e não sei como meu corpo vai responder, então vou viver os próximos anos e entender como meu corpo estará. Se um ano antes eu perceber que tenho chances de lutar por medalha, vou para Los Angeles. Se eu perceber que não tenho chances, provavelmente vou me aposentar antes das Paralimpíadas.”