Tribuna Ribeirão
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Os incêndios de 24 de agosto são criminosos? 

André Lucirton Costa*
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Antônio Luís de Oliveira **
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Os incêndios de 24 de agosto de 2024 não foram os primeiros na região de Ribeirão Preto. Sua repetição mostra uma tendência, evidências das mudanças climáticas que vêm sendo alertada pelos cientistas do mundo inteiro, inclusive do Brasil.

Em 2021 houve vários grandes incêndios, com destaque para Batatais (50Km de Ribeirão Preto), local onde Portinari deixou afrescos na Igreja da Matriz. Várias unidades rurais do município foram afetadas, queimaram estruturas como armazéns, cercas, currais, tratores, afetou as cidades do entorno com piora da qualidade do ar, muita fumaça. Deixou vítimas, estradas interditadas e muito transtorno e preocupação para a população.

Nessa ocasião os autores desse texto fizeram uma petição para o Ministério Público em Batatais e um Boletim de Ocorrência na delegacia da cidade, devidamente registrados e protocolados. O documento alertava que a palha deixada pela colheita da cana de açúcar ajudou a, pelo menos, propagar o fogo. Há usinas que recolhem a palha para usá-la como combustível das caldeiras de geração de energia elétrica, um negócio rentável também explorado pelo setor. Não foi o caso naquela época das usinas que operavam no município.

O fogo, que veio da zona rural, ficou descontrolado e ameaçou residências e pessoas, mesmo em zonas urbanas. Parou nas lavouras de café pela ação de pequenos proprietários e nas matas úmidas preservadas da região. Há relatos de intoxicações e maquinários queimados durante o combate aos incêndios.

O controle de incêndio em setores urbanos é regulamentado, há regras rígidas para a indústria, entretenimento, shopping center e comércio em geral, que exigem e responsabilizam as empresas urbanas e condomínios industriais contra incêndios, explosões ou qualquer outro perigo para vizinhança, trabalhadores ou usuários. Sem o AVCB – Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros – as empresas correm um risco de serem responsabilizadas por eventos, mesmo em locais isolados, sem densidade urbana. A agricultura em grande escala retirou a reserva de umidade das matas e criou um ambiente propício para propagação de queimadas, mudou o meio ambiente e a natureza que estava preparado para esses eventos, criou novas condições de contorno.  Há uma responsabilidade objetiva da agricultura pela propagação desses incêndios, piorados na versão 2024, pelas mudanças ocorridas devido a atividade econômica, intensidade dos plantios, forma de colheita e outros aspectos do processo de produção.

Um crime, por definição jurídica, pode ocorrer por negligência, omissão da conduta; imprudência, ação sem cautela; ou imperícia ação equivocada por falta de técnica; e qualquer cidadão responde pelos danos causados a outrem. O ambiente propício a geração de fogo deixado ao desleixo (combustível de palha ou capim seco) é um dos elementos da culpabilidade do ato. A sociedade precisa ter regras para o controle da propagação. Por exemplo, nos terrenos urbanos o proprietário tem obrigação de manter o terreno limpo, o capim alto e seco pode ser o combustível para o fogo, mesmo que um terceiro venha a iniciar (plante árvores). As usinas possuem equipe de brigadas, veículos e treinamento para combate ao fogo das plantações, a palha pode ser usada como combustível de caldeira para geração de energia elétrica e assim por diante. Um olhar para o entorno e pode-se identificar várias ações de empresas responsáveis e sustentáveis, que devem ser ampliadas e virarem regras, orientações, certificações para as demais. Os resíduos sólidos devem ser devidamente tratados e não jogados nas ruas e estradas; as queimadas de “limpeza” de terrenos devem ser punidas e as roçadas em terrenos particulares e da prefeitura constantes e programados.

Como dizem os cientistas, vamos enfrentar uma crise climática com secas mais severas, será preciso que a sociedade esteja preparada e organizada, a tecnologia pode ser usada a nosso favor. A monocultura tira a umidade do solo e elimina as barreiras de propagação, por isso é imperativo seguir e fiscalizar, fazer compliance da legislação ambiental de reserva legal e mata ciliar, agilizar e ampliar o Cadastro Ambiental Rural (CAR) para ser usado na fiscalização. As agroflorestas para agricultura familiar devem ser incentivadas com financiamentos, subsídios e ações dos governos, para que se possa criar corredores florestais e barreiras naturais para o fogo. Será fácil verificar que não há políticas do Estado de São Paulo atuando nessa linha, muito menos uma estrutura administrativa de controle e prevenção, enquanto se formula discursos ideológicos sem respaldo nos fatos e não se enfrenta o problema com inteligência, políticas públicas e gestão, a sociedade terá que conviver com consequências mais sérias nos próximos anos. Quem viver verá!

* Professor Titular da Faculdade de Economia Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto – FEARP/USP

** Advogado, Especialista em direitos humanos e mestre pala Faculdade de Direito da USP/RP, Doutorando pela Faculdade de Direito da UnB 

 

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