Feres Sabino *
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A vida pública exige dos políticos a simbologia de seus atos. Assim o abraço transpira o espírito prevalecente no gesto. A palavra de desprezo ou de solidariedade faz de quem abraça e de quem é abraçado parceiros do caminho igual. O aparente e leve desprezo pela racionalidade no convívio esconde a vocação de brutalidade e violência com a qual a pessoa se expressa. por exemplo, naquele “Não estou nem aí”, ao ser alertado de sua responsabilidade diante da brutalidade explicita, que causa morte ou não.
Entretanto, os sinais e as palavras não são, em regra, acessíveis à compreensão direta de quem deve ou não aderir à tal ou qual liderança ou candidato. A percepção popular muitas vezes corre por conta da informação, arriscada nessa época de notícias falsas em profusão. Por isso se diz – “o povo tem sempre razão, ou porque está bem-informado ou porque está mal-informado”.
Entretanto, trata-se aqui dos sinais que povoam as circunstâncias que rodeiam uma liderança.
Dois governadores de estado, o de São Paulo e o de Goiás fizeram viagem longa, cansativa e rápida, para irem a Israel, num momento de guerra, abraçar o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que muito antes do conflito já era acusado por atos de corrupção pelo Ministério Público israelense. Lula foi o primeiro a dizer pública e mundialmente sobre o massacre genocida, que ocorria em Gaza, e os dois oposicionistas, à falta de ideia superior, quiseram fazer o contraponto deles.
E foram, rapidamente, e rapidamente voltaram: só o abraço solidário e o sorriso pelo malfeito, mesmo sabendo que aquele facínora comandava um território de discriminação e violência, em relação ao qual a África do Sul o acusou, até, da prática de “apartheid”, pior do que aquele que a submeteu durante anos. E foi esse país que representou contra Israel, com base na Convenção de Genocídio, assinada em 1948. Essa representação foi perante à Corte Internacional de Justiça, instalada em Haia, na Holanda, conhecida como “Tribunal da ONU”, cuja competência é decidir litígios entre estados.
Então, os dois governadores foram abraçar o alvo repulsivo das manifestações estudantis norte-americanas e de muitas nações da comunidade internacional. Um abraço com tal densidade, revelado pelo sacrifício de uma viagem tão curta e tão rápida, confere dimensão ao propósito camuflado de cada um.
A solidariedade tem sempre o mesmo sentido, apoiando cegamente os meios e os fins.
Seguramente, a questão é adivinhar a razão profunda dessa viagem rapidíssima só para um abraço promissor de iguais palavras, iguais pensamentos e iguais obras. O abraço solidário quer dizer estamos com você, você é o nosso mestre da barbárie.
A razão profunda não exigiria tanto nem dos dois, nem de nenhum outro. Pergunta-se: Seria para agradar uma comunidade endinheirada para eventual doação generosa delas nas eleições futuras? Ou será sabedoria política vender para quitação futura, sua “alma política”? A rigor, é uma situação incerta, que depende de votação geral e futura, ainda que ela possa ser trabalhada pelas mentiras de informações reiteradas, ainda assim, há incerteza para esse investimento
Na verdade, a indiferença do “Não estou nem aí”, face à brutalidade e mortes ocorridas no litoral paulista, onde um cego, morto, teria apontado uma arma em direção a dois militares, naquela casa invadida sem mandado judicial,(a indiferença) corresponde exatamente aos descumprimentos históricos, por parte de Israel, das leis internacionais e das Resoluções do Conselho de Segurança e da ONU, desde 1948.
“Não estou nem aí” é o repique disfarçado da propagação do ódio.
* Procurador-geral do Estado no governo de André Franco Montoro e membro da Academia Ribeirãopretana de Letras