Com meus 20 e poucos anos, fui cursar a escola da Polícia Rodoviária. Ao sair de casa, meu pai me disse: “Ê, caboclo, você sabe que, nessa profissão, você vai lidar com muita gente morta nas estradas. E você é medroso pra dedéu, como acha que vai se virar?” Disse a meu velho: “Pai, a vida é uma eterna batalha, tudo nela tem sua primeira vez, vamos deixar acontecer.”
Depois da formatura fui destacado para trabalhar na Rodovia Anhanguera, entre São Paulo e Campinas, quando a Rodovia dos Bandeirantes ainda estava em construção, então a Anhanguera era o único caminho para nosso interiorzão. Entre Jundiaí e São Paulo havia muitas curvas, chovia demais. E chuva e pista escorregadia geram acidentes à beça.
No meu primeiro serviço caiu o maior pé d’água. Eu era auxiliar de um antigão, ele tinha a orientação de ensinar-me a praticar o que havia estudado. Mal assumimos nosso posto, fomos chamados para atender um acidente com morte na curva do km 45. Meu parceiro falou: “Bueno, vai ser seu batismo, amigo. Fique calmo”.
Ao chegar ao local onde está algum motorista morto, sempre rezo um Pai Nosso para a alma dele, me faz bem – se quiser faça o mesmo. E lá fomos nós. O carro derrapou na pista, bateu na defensa do canteiro central, o corpo do motorista foi projetado pelo para-brisa, batendo com a cabeça na parte cortante da defensa, que era de metal.
A cabeça da vítima abriu ao meio, como se parte uma melancia, os miolos pulavam na pista – quanta energia neles. Ao lado do corpo, nem sei quantos Pai Nossos rezei. Permanecemos por ali, ao lado do falecido até a chegada do carro de cadáver.
Durante minha folga, vim pra casa louco pra contar pro meu velho pai. Ele sorriu, um sorriso daqueles que não precisam palavras pra se entender. Estava feliz por mim, pois me via realizado profissionalmente. A vida segue e me vi centenas de vezes entre pessoas mortas nas estradas, sempre orando por elas.
Lia muito as psicografias de Chico Xavier, até conhecer meu saudoso amigo Sócrates, que era espírita e levou-me pra conhecer o também saudoso médium Tio João, um anjo aqui na terra, como aprendi com ele! Passei a entender que quando passava madrugadas ao lado de mortos nas estradas, eu nunca estava só. Dezenas de espíritos me faziam companhia, da família do que partiu e também dos meus que sempre estavam comigo.
Tio João tinha uma vidência de impressionar, tanto que deixou de dirigir, pois ele tinha dúvidas se quem atravessava à sua frente estava vivo ou morto. Certo dia, ele foi me visitar na Secretaria da Cultura, errou e foi parar na Secretaria da Administração, antigo convento de padres. Subindo aquela enorme escada, cruzou com o espírito de um padre que dizia ser ali sua casa. Tio João custou para convencê-lo de sua situação. Por fim, o padre cedeu e ali mesmo Tio João o encaminhou, com ajuda de espíritos amigos, para outras moradas do Senhor.
Um espírita vidente, frentista do posto de gasolina que fica na avenida Jerônimo Gonçalves com a rua Mariana Junqueira, perguntou ao vigilante que abre o portão do Sistema Thathi de Comunicação, antiga Cervejaria Paulista: “Quantas pessoas entram quando você abre o portão as 05h30 da manhã?” Ele respondeu: “Duas que trabalham aqui na obra”. O frentista completou: “Você não vê, mas entram mais de 50, são espíritos de antigos trabalhadores da cervejaria que não perceberam que morreram”.
Este vigilante tem um pouco de vidência. Algumas madrugadas passadas, foi tomar um café na máquina que fica ao lado dos estúdios e, ao passar pelo estúdio da Thathi FM, viu um homem mexendo nos fios que ligam a mesa de comando. Quando voltou com seu cafezinho o homem havia sumido. O rapaz contou pro seu chefe, que voltou a fita de gravação. A filmagem mostrava ele passando, mas a imagem do homem, não. Como disse Santo Agostinho, a morte não existe, apenas mudamos de lado.
Sexta conto mais.