Adalberto Luque
Desde abril, o coronel Marcelo dos Santos Sançana está à frente do Comando de Policiamento do Interior (CPI-3), com sede em Ribeirão Preto e que responde por 93 cidades da região. Natural de Batatais, ingressou na corporação em 1992.
Aos 51 anos chega à região onde começou a trilhar sua carreira na Polícia Militar. Teve passagens pelos batalhões de Franca e São Carlos.
Na capital, o coronel Sançana foi o oficial que comandou a PM numa das regiões mais nevrálgicas do País: a Cracolândia. Também comandou o Presídio Militar Romão Gomes. Tem cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado, além de lecionar Direito Penal na Academia de Polícia Militar do Barro Branco.
De volta à sua região, garante que está preparado para o desafio de reduzir ainda mais a criminalidade. “Ao invés de devolver à sociedade, se o que motivou o crime foi o vício, então na audiência de custódia deve-se impor como medida cautelar o tratamento. Se não aceita o tratamento, então é prisão preventiva”, defende. Acompanhe a entrevista.
Tribuna Ribeirão – Como o senhor avalia o efetivo da Polícia Militar?
Coronel Marcelo dos Santos Sançana – Temos excelentes policiais militares na nossa região. Os policiais estão em número suficiente, apesar que a gente sempre quer mais. Com a insegurança, quanto mais policiais melhor. Tivemos o período da pandemia, em que nós ficamos dois anos com os concursos suspensos e também tivemos dois concursos em que não foram preenchidas todas as vagas da Polícia Militar, apesar da grande quantidade de inscritos. Mas entendemos que agora, com a política do governador Tarcísio [de Freitas], teremos concursos em breve para a contratação de 5.700 policiais militares, além da possibilidade de contratação de quadro de temporários, que também vai aumentar o número de policiais, porque os temporários vão trabalhar em atividades administrativas e vamos remanejar o policial para atividade operacional. Acreditamos que o efetivo é o necessário, mas será melhorado em face das políticas públicas que estão sendo apresentadas.
Quais são os principais problemas na segurança?
Coronel Marcelo dos Santos Sançana – Apesar de termos indicadores criminais todos positivos na região, evidentemente temos alguns problemas. O que mais nos preocupa são os indicadores de roubos, coisas pequenas, como celulares e pequenos furtos, que justamente ocorrem em face do vício pelas drogas. O indivíduo é viciado em substância química e, para sustentar esse vício sem recursos próprios, vai buscar no patrimônio dos outros esse sustento. É o celular do outro que ele busca revender, são fios de via pública, eletroeletrônicos, produtos que sejam convertidos em dinheiro para sustentar esse vício. Estamos reduzindo o número de furto de veículos, reduzindo roubos de veículos na região como um todo, em face de ações eficazes de nossos policiais. Por vezes a gente se depara com pequenos grupos praticando os crimes. Duas ou três duplas praticam roubos ou furtos. Prendendo essas pessoas a gente já reduz o indicador. Evidentemente temos que contar com a possibilidade desses indivíduos ficarem relativamente presos, porque hoje, pelos benefícios legais que nossa legislação traz, em face de impunidade, por vezes são soltos em audiência de custódia e retornam a cometer e praticar delitos.
Como reverter essa situação?
Coronel Marcelo dos Santos Sançana – Operações de intensificação de policiamento, mapeamento das áreas de maior incidência – que chamamos de mancha criminal -, emprego e colocação do policiamento nessas localidades objetivando não só a prevenção, mas também e principalmente a prisão desses indivíduos, porque só com a retirada de circulação desses indivíduos é que vai evitar novos crimes. São parcerias com nossa Polícia Civil – estamos trabalhando de forma integrada com a Polícia Civil, com a GCM, também estamos em tratativas com o Ministério Público e Poder Judiciário. Enfim, com a prefeitura, com nosso Legislativo para encontrar medidas não só de cunho policial – que já estão sendo feitas, como prisões e combate a receptadores. O enfrentamento não é só em relação a quem rouba, mas também a quem se beneficia com o objeto roubado, que é o receptador.
Como o senhor avalia a Lei Municipal que ficou conhecida como “Lei dos Ferros-Velhos”?
Coronel Marcelo dos Santos Sançana – Vejo com muito bons olhos [a Lei dos Ferros-Velhos]. Toda medida para melhorar a segurança pública é bem-vinda. Não só isso, mas no caso dos Bombeiros, a exigência de AVCB [Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros], laudo necessário para poder operar a empresa. Esse conjunto de medidas é importante. Parabéns aos vereadores, que estão colaborando com a polícia.
Como é voltar para sua região?
Coronel Marcelo dos Santos Sançana – Tenho história de mais de 20 anos com a região de Ribeirão Preto. Trabalhei em Franca e São Carlos. Como a sede do Comando de Policiamento do Interior 3 é em Ribeirão Preto, as reuniões são sempre aqui, conhecemos a problemática de Ribeirão Preto há muitos anos. Sem contar que hoje eu fico mais aqui do que em Batatais. A cidade natal, Batatais, sempre será a cidade do meu coração. Posso dizer categoricamente que Ribeirão Preto está entre as cidades do meu coração. E não só as cidades que citamos. São 93 municípios, com cidades importantes que formam o CPI-3, como as sedes de Batalhão em Araraquara, São Carlos, Barretos, Sertãozinho, Franca, além dos três Batalhões que temos em Ribeirão Preto, que são o 51º, o 3º e o BAEP [Batalhão de Ações Especiais de Polícia], que é sediado aqui, mas responde por toda a região. Um orgulho muito grande. Minha mãe, se estivesse viva, estaria muito orgulhosa, mas meu pai que está vivo, está bastante orgulhoso.
Como foi a experiência de trabalhar na região da Cracolândia?
Coronel Marcelo dos Santos Sançana – Na realidade foi uma experiência muito boa [ser comandante da PM na região da Cracolândia]. Um ano comandando a região central de São Paulo, em especial a Cracolândia – como é conhecida aqui. Temos que atuar por três frentes. A preocupação número um e estão sendo adotadas medidas essenciais, tanto do ponto de vista de segurança, quanto do ponto de vista de saúde e assistencial. Esse tem que ser o enfrentamento. Na área de segurança, combate ao traficante, àquele que furta, ao receptador. A parte de assistência também tem que ser feita. São seres humanos, merecem toda assistência. E a parte de saúde. Muitos são apenas usuários. E eles merecem tratamento. Essa parte de internação, seja voluntária, seja involuntária e até compulsória, se for necessária, é dar dignidade ao cidadão. Naquela situação que o sujeito usa a droga, principalmente o crack e o K-9, drogas que tiram a capacidade de entendimento. Quando a pessoa já não tem mais essa capacidade, só resta uma forma: a involuntária ou a compulsória, que vai dar uma chance para ela retomar sua dignidade. Elas estão não só debilitadas psicologicamente com a questão das drogas, mas estão debilitadas fisicamente. Temos alguns núcleos em Ribeirão Preto, Franca, São Carlos e outras cidades. Que sejam trabalhadas essas questões. Não só policiais, mas de saúde e psicológicas.
Um dos problemas graves que temos é violência doméstica e mortes neste ambiente. Como o senhor avalia essa gravidade e os homicídios de maneira geral?
Coronel Marcelo dos Santos Sançana – Vários homicídios são impossíveis de serem prevenidos e evitados. Principalmente se ocorrem em ambiente familiar. O marido que esfaqueia a mulher. A não ser que ela esteja com medida protetiva. Aí a gente pode evitar fiscalizando para que esse sujeito cumpra a medida protetiva. Mas existem homicídios que a gente pode prevenir. Homicídio caiu no Estado como um todo nos últimos 23 anos. Assim como o número de latrocínios em 2023. Nosso objetivo é abordar indivíduos, principalmente tirando armas de circulação. Abordando procurados pela Justiça, que muitas vezes estão em débito com o tráfico. Se abordar e ver que ele é procurado, será recambiado para o sistema prisional e, com certeza, não vai matar ninguém e não será morto por alguém. Agora quando o homicídio se dá em ambiente fechado, com natureza passional, fica difícil prevenir.
E os feminicídios?
Coronel Marcelo dos Santos Sançana – Feminicídio é algo que a polícia está se mobilizando, se preocupando. Temos a Lei Maria da Penha, que sofreu alterações importantes em 2019. Temos a criação do Botão do Pânico, uma medida importante. Um aplicativo que tem de baixar no celular. Se a pessoa ainda não baixou o aplicativo ou não tem familiaridade, pode utilizar o 190. As ocorrências envolvendo violência doméstica e familiar são prioridade um. Nos últimos seis meses tivemos poucos casos em Ribeirão Preto, mas gostaríamos que fosse zero.
Outro problema que chamou a atenção da população foi a violência nas escolas.
Coronel Marcelo dos Santos Sançana – Também foi criado um botão do pânico semelhante à da Lei Maria da Penha, mas para as escolas. Nossa diretoria de tecnologia da PM criou o tipo do botão do pânico, fora o incremento da Ronda Escolar, fora os policiais que estão fazendo palestras dando dicas de segurança nas escolas. Estamos sempre remodelando. O crime é dinâmico e a polícia tem que acompanhar isso.
E sobre as câmeras corporais nos policiais?
Coronel Marcelo dos Santos Sançana – A experiência no Centro de São Paulo, onde todos os policiais trabalham com câmeras corporais, me ajudou a formar uma opinião mais apropriada. Sou favorável, as vantagens sobrepõem e muito as desvantagens. Lógico, tem o período de adaptação, de três ou quatro primeiros meses. Mas quando o policial se acostuma a usar, elas têm muito mais funcionalidade. O policial chega ao local e a câmera corporal serve de elemento de prova em determinado crime e até para resguardar a atuação do próprio policial. A experiência pelo Centro me faz emitir opinião contundente. E a instituição é favorável a seu uso, com transparência e legalidade.
Comente sobre o BAEP.
Coronel Marcelo dos Santos Sançana – O BAEP foi um ganho muito grande para toda a nossa região. Quando a gente prende muitos procurados, cai a incidência criminal. O procurado não vai pedir emprego normalmente, porque ele corre o risco de ser recapturado, denunciado. Resta viver, via de regra, no crime ou alguém sustentando. Toda vez que o retira de circulação, a incidência criminal cai bastante. E isso é uma das funções que o BAEP tem feito muito bem em nossa região.
Uma reclamação é o chamado prende e solta. A polícia age, mas quem comete o delito é solto.
Coronel Marcelo dos Santos Sançana – A legislação fala que os crimes em que não há violência e grave ameaça, como estelionato, furto e receptação, apesar de alimentarem os crimes violentos, geralmente não há violência quando são cometidos. Por serem crimes sem grave ameaça ou violência à pessoa, a legislação prevê que, na audiência de custódia, se eles não atenderem os requisitos de uma prisão preventiva, são devolvidos à sociedade. E normalmente voltam a delinquir. Defendo que se trabalhe a recuperação do vício na audiência de custódia. Ao invés de devolver à sociedade, se o que motivou o crime foi o vício, então na audiência de custódia deve-se impor como medida cautelar o tratamento. Se não aceita o tratamento, então é prisão preventiva. Se fugir do tratamento, é cambiado novamente no tratamento. Acredito que este seja o caminho para se tentar evitar devolver o indivíduo à sociedade sem nenhuma providência.
A população tem colaborado com denúncias?
Coronel Marcelo dos Santos Sançana – Quero parabenizar a população de Ribeirão Preto e região. Ordeira, trabalhadora, envolvida com os interesses públicos e questões sociais. Vejo isso no Copom. Hoje, das mais de 5 mil ligações que recebemos, grande parte, em torno de 40%, são denúncias. Os olhos da população acabam sendo os olhos da Polícia. Temos inúmeras pessoas que fazem denúncias. Essas denúncias resultam da prisão em flagrante, da captura de indivíduos procurados, na apreensão de armas de fogo. Uma relação excepcional, acima da média. Isso ajuda no enfrentamento e só tende a crescer no futuro.