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Os desafios de estudar a percepção do tempo (19): Músicos versus Não Músicos

Muitos são os estudos que fornecem evidências empíricas sustentando a hi­pótese de que os músicos são as melhores pessoas para desempenhar tarefas que requeiram habilidades para processar informação temporal. Argumentam os estudiosos que isso se deve à importância que lhes é conferida no processamen­to temporal quando envolvidos na música. Sumariemos alguns estudos sobre isso. A superioridade dos músicos, quando comparada a não músicos, tem sido demonstrada em tarefas envolvendo um componente-motor, tais como, na pro­dução ou reprodução de sequências tem­porais. Por exemplo, quando teclando ao mesmo tempo que acompanha o som de um metrômono, aparelho utilizado para fins de estudo, ou interpretação mu­sical, que, através de pulsos de duração regular, indica um andamento musical, a assincronia entre esse som e o teclar é muito menor entre músicos do que entre não músicos. Supõe-se, para tanto, que os não músicos tendem a antecipar o teclar um pouco mais cedo, o que não ocorre com os músicos.

Há também grande diferença entre músicos e não músicos quando é neces­sário reproduzir grandes intervalos (de 6 a 24 segundos) em condições onde uma estratégia pode ser usada para manter o tempo. Por exemplo, se cantar ou contar o “Clair de Lune”, de Debussy, num ritmo pessoal, os músicos chegam muito próximos ao alvo, tendo menor variabilidade sobre as tentativas do que os não músicos. Esta diferença entre os dois grupos não surpreende, conside­rando a importância do contar na música. Ademais, de 6 a 24 segundos, o coeficiente de variação permanece aproximadamente o mesmo para os não músicos, enquanto que, para os músicos ele é significativamente menor em 24 segundos do que em 6 segundos. Também tem sido mostrado pelos estu­diosos que o treinamento musical pode permitir uma melhor estimativa da duração de um som. Por exemplo, ao fim de um experimento com adolescentes, de 12 a 15 anos de idade, estudiosos revelaram que os não músicos são muito mais prováveis que os músicos em superestimar a duração de sons tristes, bem como, a subestimar o comprimento de sons alegres.

Outros estudos, por sua vez, têm indicado que o nível de dificuldade de uma tarefa pode modelar a magnitude das diferenças entre os grupos de músicos e de não músicos. Por exemplo, em relação à discriminação de tempos musicais, os músi­cos são muito melhores que os não-músicos em discriminar diferentes tempos. Ou seja, diferente dos não músicos, os músicos são hábeis em detectar pequenas mudanças sutis no tempo ocorrendo dentro de ciclos e padrões rítmicos. Ou­tros dados revelam, por exemplo, que a diferença entre pianistas e principiantes, relativo à variabilidade temporal na execução de movimentos num teclado de piano, ou um teclado de alumínio, apenas aparecem quando esses movimentos tornam-se mais complexos. Por exemplo, teclar com múltiplos dedos em oposi­ção a teclar com um simples dedo.

Outro conjunto de dados muito interessantes é observado na generalização da competência manifestada pelos músicos. Segundo Simon Grondin, em seu livro “The perception of time: your questions answered” (2020), isso significa que o treinamento musical que, por sua natureza, envolve várias dimensões sensoriais cognitivas generaliza-se, possibilitando uma plasticidade cerebral que melhora, não apenas, o processamento da música, como, também, o pro­cessamento de outros sons. Assim considerando, os estudiosos acreditam que a expertise dos músicos, desenvolvida durante seu treinamento, poderia incluir um benefício secundário, a saber, uma capacidade generalizada para processar informação temporal.

Entretanto, a despeito de todas essas evidências, estudiosos afir­mam que o talento musical perma­nece misterioso. Alguns insistem que a prática sozinha pode levar à expertise. Mas, outros, argumen­tam a importância de um fator genético em explicar o desempe­nho musical. Eu, particularmente, entendo que, como é comum para a compreensão de qualquer construto psicológico, o talento musical também é mais bem explicado por um modelo multifatorial envolvendo a interação entre genes e o ambiente.

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