Se tem um cara que é bom de contar causos, este cara é o Erasmo Carlos, o “Tremendão”, capaz de lembrar detalhes insignificantes de sua vida e também de sua convivência com seu parceiro em centenas de músicas, Roberto Carlos. Até alguns anos eu não sabia que existia dicionário de rimas, mas, numa noite ao assistir o “Programa do Jô”, um dos que sentaram naquele famoso sofá foi Erasmo. No bate-papo, Jô perguntou como ele e Roberto Carlos faziam para compor – sou compositor e esse é o tipo de papo em que fico ligado.
Ele disse que Roberto tinha gravadores estrategicamente esparramados pelos cômodos de seu apê, prontos para serem acionados quando surgia em sua cabeça alguma melodia. Ele registrava a melodia e depois os dois se reuniam e a “letravam”. Erasmo também tinha gravadores em alerta, disse também que possuíam vários dicionários de rimas. Pô, adorei saber que existia isso, facilita a inspiração do compositor.
Amanheceu, sai à caça de um dicionário de rimas, fui em todas as livrarias e nada. Em uma delas o vendedor me disse que talvez encontrasse num sebo de livros, até porque a livraria não investiria numa mercadoria que interessava a poucos. Na rua Saldanha Marinho com a São Sebastião tem um sebo, acho que o primeiro da cidade e o proprietário, muito prestativo, revirou e não encontrou o dicionário, mas pediu meu contato pois iria consultar com amigos dele do Rio de Janeiro.
Não demorou uma semana e ele me liga dizendo que só achou um num sebo em Copacabana e que teria a despesa do frete. Topei na hora e hoje tenho um dicionário de rimas, que consultei muitas vezes, prefiro recorrer a ele do que ao Google. Erasmo escreveu em seu livro, “A minha fama de mau”, que quando viaja, seja pra onde for, leva sempre dois pequenos gravadores, um dicionário de rimas e um violão.
Lembrou que no ano de 1975, por dois dias ele e Roberto hibernaram no rancho que o Rei tinha em Piracicaba (SP) só para compor, e o ambiente era justamente aquele que precisavam. O rio que dá nome a cidade passava sereno nos fundos, um pôr do sol de ficar babando, muitas flores enfeitavam o cenário, árvores frutíferas como jabuticabeiras, peras adoçavam suas palavras…
Roberto fritava ovos que ambos comiam com pão, e carinhosos vizinhos ofereciam deliciosas comidas feitas em fogões a lenha. Erasmo lembra que ali, em contato com tudo que a natureza pode lhes oferecer, nasceu a linda canção “Além do horizonte”, que conta com dezenas de gravações.
Na fase ecológica deles, vendo a destruição da Amazônia, eles compuseram várias músicas sobre o tema e entre elas, saiu “As baleias”. O diretor da gravadora pediu a eles que deixassem de compor coisas assim, pois baleias não compravam discos. A música ainda recebeu algumas críticas por parte de fãs. Um deles disse para Erasmo, num show em Recife, que presenteou a esposa como este LP e ela quebrou o maior pau, pois era gordinha e sentiu que seu marido estava tirando uma com sua aparência.
Erasmo conta que muitas vezes a inspiração vem de lugares e não de pessoas. Eles estavam em Los Angeles (EUA) quando começaram a compor “Emoções”. As imagens que surgiam em suas mentes eram da carismática casa de shows carioca “Canecão, e tudo que nela acontecia. Roberto ficou em cartaz por muito tempo nela.
A música “As flores do jardim da nossa casa”, que muitos pensam ter sido feita para uma musa, na verdade foi composta por Roberto quando, desesperadamente, rodava o mundo tentando encontrar uma forma de curar seu filho “Segundinho” da doença que o fez perder a visão. Vejam vocês por onde viaja a alma do compositor, num momento de muita dor, alguém lá de cima lhe assopra uma música que já vem até com letra – e que letra. Ela foi composta no exterior, “Segundinho” não conseguiu se curar, mas seguiu sua vida trabalhando com música.
Sexta conto mais.