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Os cantinhos de nossa casa

Depois de viver longos anos em uma casa, a gente se incorpo­ra a ela. Não nos assustam mais os barulhos noturnos, os estalos eventuais, nem o caminhar no escuro, quando não se quer acen­der as luzes, para não incomodar os outros moradores. Temos na memória a planta da construção acolhedora, onde vivemos e que nos recebe no final de um dia de trabalho. O lar, que é diferente de uma simples casa, é importante apoio durante toda a nossa vida. E todos nós, apesar de viver em todos os seus cômodos e dependências, temos sempre nossos cantinhos preferidos, nos­sos refúgios do dia a dia, onde nos recolhemos para as melhores horas e os melhores momentos.

Na minha casa, meu escritório é um destes pontos. Minha mesa, toda de vidro transparente, repousa em frente a uma vidraça que toma a parede inteira, permitindo-me ver o jardim e minha flores ali plantadas. Numa das laterais, tenho enorme mo­delo de um barco a vela com o qual navego em meus momentos de sonho. Sabedoras de que sempre fui fã de Tintin e sua turma, minhas netas dinamarquesas me enviaram pequenas reprodu­ções das geniais criações de Hergé, que, cuidadosamente, colei no convés do barco e acompanham fielmente meus trabalhos.

Procuro deixar a mesa sempre vazia, mas, não resisto ao impulso de colocar nela toda sorte de canetas e lápis, convenien­temente agrupados em canecas, também ganhas de outras netas, e que louvam minha pobre capacidade de contador de estórias.

Uma pequena bandeira de São Paulo, colocada num dos extremos, é testemunha de meu orgulho de ser paulista e se alinha à pequena estação metereológica e ao calendário feito pelos Artistas sem Mãos, tudo complementado por um peque­no e singelo presépio, que marcou o mês de dezembro findo e que acabo de embalar, aguardando o retorno de seu tempo de exibição. Uma bela e moderna escultura de Nossa Senhora, obra em madeira de um tio de minha mulher, procura dar um toque de religiosidade ao ambiente muito laico.

Passo grande parte de meu tempo aqui escrevendo, lendo e buscando ideias para minhas crônicas e para meus escritos e colocando em dia a vasta correspondência eletrônica que recebo.

Há poucos anos, ganhei de prima querida, que já nos dei­xou, a centenária escrivaninha que era usada por meu avô João Rodrigues Guião, desde seu tempo de promotor de Justiça em Cajuru e depois, advogado, político e prefeito de nossa cidade. De fabricação inglesa, estava bastante deteriorada, mas, minu­ciosa restauração trouxe de volta a sua elegância, seu tampo de couro vermelho, suas fechaduras douradas. Coloquei-a num outro canto da sala de minha casa, reformei a sua cadeira de palhinha e tenho, agora, o privilégio de poder usar dois lugares de trabalho. Nos dias mais quentes, quando a parede envidraça­da deixa passar o generoso calor de Ribeirão Preto, refugio-me nesta segunda escrivaninha.

Sempre fui amante das artes, notadamente do cinema. Tenho um canto especial da casa, onde instalei um Home Theater e para onde me refugio à noite, em busca de filmes, séries, docu­mentários, um dos lazeres mais importantes que tenho. Con­fortavelmente instalado numa poltrona especial, acompanho o progresso dessa arte – que antes só podia ser vivida nas salas de cinema -, mas que agora, graças à tecnologia, pode ser curtida no sossego de nossas casas.

E há ainda um cantinho delicioso, formado por quatro degraus de uma escada de pedra, em forma de espiral discre­ta, onde eu sempre procuro passar, encantando-me com esse pedaço de minha casa, que me remete às escadarias dos castelos antigos que construo em meus momentos de devaneio.

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