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Onde o samba aprendeu a sambar

“Deixa falar, aqui no Estácio é que se faz samba, nós é que temos a verdadeira escola, a escola de samba”. Foi assim que Ismael Silva respondeu às provocações dos agrupamentos de samba rivais da Piedade, Mangueira e outros. Cada um queria ser o melhor e criticavam os outros, porém Ismael disse, vamos para a frente, ou seja, ”deixa falar”, e assim surgiu a primeira escola de samba, em 1928 no Estácio de Sá, formada pelos sambistas Ismael Silva, Mano Aurélio, Nilton Bastos, Armando Marçal, Mano Rubens, Baiaco, Brancura, Heitor dos Prazeres, Mano Edgar e Bide, um corpo docente da melhor qualidade.

Até o final da década de 1920 os sambas amaxixados de Sinhô, tais como “Jura” e “Gosto que me enrosco”, e os de Donga como “Pelo telefone”, ainda predominavam no Rio de Janeiro. Entretanto, Ismael dizia que a turma do Estácio precisava de um samba para movimentar os braços para a frente e para trás durante o desfile. Segundo ele “a gente precisava de um samba para sambar”.

Quanto ao surgimento desse samba moderno que Ismael relatara, Bucy Moreira, grande sambista e ritmista do Estácio, deu o seguinte depoimento: “Minha mãe me mandou comprar manteiga na padaria e no caminho vi quatro camaradas cantando samba, era o Zeca Taboca, o Brinco, o Edgar e o Rubem. Estranhei a novidade e perguntei o que é isso? E disseram: isso é um samba moderno que o Rubem fez. E cada um dizia um verso de improviso”. Mano Rubens era irmão de Bide, autor de “A Malandragem”, o primeiro samba gravado de tal maneira.

Compositor precoce, Ismael Silva aos quinze anos compôs seu primeiro samba “Já desisti”, e com 22 anos de idade começou a fazer sucesso vendendo sambas para o grande cantor da época Francisco Alves, o Chico Viola. O primeiro sucesso foi “Me faz carinhos”, em 1927. No final da década de 1920 fez um acordo com Francisco Alves, que permitia ao cantor gravar as suas composições e constar como autor mediante pagamento prévio.

Em 1931, Chico Alves e Mário Reis gravam juntos “Se você jurar”, que se tornou um clássico da música popular brasileira e um verdadeiro modelo para os sambas dos anos 1930. Vale a pena relembrarmos o refrão do samba “Se você jurar”: “Se você jurar que me tens amor, eu posso me regenerar, mas se é para fingir, mulher, a orgia, assim não vou deixar”. Após a morte de Nilton Bastos e Mano Edgar, parceiros ilustres do sambista, Ismael mudou-se para o centro da cidade, e apresentado a Noel por Chico Alves, começaram um período de parcerias.

Noel foi um dos primeiros ditos urbanos a abandonar o estilo de Sinhô e a aderir ao estilo dos sambistas do Estácio, que tinham uma percussão marcada pelo surdo e a cuíca. A primeira composição do sambista em parceria com Ismael foi “Para me livrar do mal”, samba gravado por Chico Alves, que traz o seguinte recado para a mulher: “Estou vivendo com você, num martírio sem igual, vou largar você de mão, com razão, para me livrar do mal. Supliquei humildemente pra você se endireitar, mas agora, francamente nosso amor vai se acabar, vou me embora afinal, você vai saber porque, é pra me livrar do mal que eu fujo de você”.

Além das músicas já relembradas, dois sambas de Ismael merecem comentários, pois o primeiro é um auto-retrato do sambista com o nome de “O que será de mim?”, e o segundo é uma obra-prima do samba chamado “Antonico”. Criticado pelas elites moralistas e defendido pelos pobres e malandros, Ismael se auto-retrata no samba “O que será de mim”, fazendo apologia ao ócio e à malandragem, da seguinte forma: “Se eu precisar algum dia de ir pro batente, não sei o que será, pois vivo na malandragem e vida melhor não há. Não há vida melhor e vida melhor não há. Deixa falar quem quiser, deixa quem quiser falar, o trabalho não é bom, ninguém pode duvidar. Trabalhar, só obrigado, por gosto ninguém vai lá”.

Já o samba “Antonico”, gravado em 1950 quando o sambista ressurgiu no cenário artístico, foi inspirado numa carta de Pixinguinha a Mozart de Araújo, na qual o maestro pedia ao amigo um emprego para o sambista em dificuldade. Ismael se colocou no lugar de Pixinguinha e fez a sua obra-prima, que dizia assim: “Ô Antonico vou lhe pedir um favor, que só depende da sua boa vontade. É necessário uma viração pro Nestor, que está vivendo em grande dificuldade. Ele está mesmo dançando na corda bamba, ele é aquele que na escola de samba, toca cuíca, toca surdo e tamborim, faça por ele como se fosse por mim”.

Ismael foi o líder da grande geração de sambistas do Estácio, que impuseram a forma definitiva do samba carioca com o ritmo batucado pela camada mais baixa da população. Salve Ismael, aquele que inventou o samba para a gente sambar.

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