Em fevereiro, morreu Kirk Douglas, aos 103 anos. Olivia de Havilland viveu para completar 104 em 1º de julho. Brincou: “Já que cheguei até aqui, quero ir até os 110”. Não conseguiu. Morreu no sábado, 25 de julho, de causas naturais, enquanto dormia. Não era só um fenômeno de longevidade, mas ter chegado tão longe certamente acrescentou à lenda da doce Melanie de “…E o vento levou”, mesmo que o clássico de 1939 esteja sendo contestado como racista pelo movimento #BlackLivesMatter.
Ostentava vários títulos. Era a mais antiga atriz a ter vencido o Oscar, a única vencedora dos anos 1940 que ainda estava viva, a última das grandes estrelas da era de ouro dos estúdios. Até ao receber título de dame do império britânico pela rainha Elizabeth II, aos 101 anos, foi a mais idosa mulher agraciada. Dame Olivia Mary de Havilland nasceu em Tóquio, em 1916. A mãe era uma atriz de teatro que tinha ido visitar o irmão e conheceu um amigo dele, filho de um reverendo britânico.
Casaram-se e tiveram as filhas Olivia e Joan. Mas a vida não foi um conto de fadas. Olivia tinha a saúde frágil e a mãe quis voltar à Inglaterra. Pararam na Califórnia, onde o clima era bom para a filha, mas o filho do reverendo abandonou a família, preferindo retornar à amante gueixa. Qual era a possibilidade de duas irmãs que se detestavam – ao que consta por um incidente de infância, quando Olivia, a mais velha, rasgou o vestido de Joan – pudessem virar grandes estrelas de Hollywood?
Ocorreu com elas – mais um recorde, as duas únicas irmãs a terem vencido o Oscar. Joan, que adotara o nome do segundo marido da mãe – Fontaine – ganhou primeiro, em 1941 por “Suspeita”, de Alfred Hitchcock (morreu em 2013, aos 96 anos). Olivia venceu em 1947 e 50, por “Só resta uma lágrima”, de Mitchell Leisen, e “Tarde demais”, de William Wyler. Nos anos 1950, casou-se em segundas núpcias com o ex-editor de Paris Match, Pierre Galante. Radicou-se na França.
Continuaram amigos após o divórcio, até a morte dele. Em 2010, recebeu do então presidente Nicolas Sarkozy a Legion d’Honneur. “A senhora honra a França por nos haver escolhido, madame”. A frase é a versão ligeiramente adaptada da que Errol Flynn diz a Libby/Olivia quando parte para morrer no clássico “O intrépido General Custer”, de Raoul Walsh, de 1941: “Viver com a senhora foi uma honra, madame”. Foram oito filmes com Flynn, incluindo “Capitão Blood”, “A carga da Brigada Ligeira” e “As aventuras de Robin Hood”, todos de Michael Curtiz (esse em parceria com William Keighley).
Com Bette Davis, de quem era grande amiga, foram cinco filmes, um também com a dupla Flynn/Curtiz, “Meu reino por um amor”, de 1939, e o último, “Com a maldade na alma”, de Robert Aldrich, de 1964. Invertendo papéis, Olivia era a prima que submetia a pobre Bette à tortura psicológica. De malvada, Bette só tinha a fama.
O sucesso como “boazinha” foi um tormento. Condenou Olivia a um tipo de personagem. Brigou na Warner, que a mantinha sob contrato, para ter papéis mais fortes. Recusou filmes, o estúdio suspendeu-a. Quando terminou seu contrato padrão e estava livre para fazer os filmes que queria, a Warner tentou descontar a suspensão. Olivia foi à Justiça e criou jurisprudência na defesa dos direitos de atores e atrizes.
Até a irmã reconheceu: “Hollywood deve muito a Olivia”. Deve mesmo. A boazinha era durona. Ganhou dois Oscars, mas preferiria ter vencido por “A cova da serpente”, de Anatole Litvak, de 1948, sobre mulher que sofre um colapso e é internada, conhecendo, de dentro, o horror do sistema manicomial. De novo, fez história – o filme repercutiu tanto que deu origem a uma investigação do Congresso dos EUA que resultou em limitações quanto a internações e tratamentos com drogas.
Pelo longa de Litvak ganhou a Copa Volpi em Veneza. Para ficar no âmbito dos festivais, foi a primeira mulher a presidir o júri de Cannes, em 1965. Prêmios, honrarias. O maior elogio quem lhe fez foi Katharine Hepburn, outra lenda dos anos de ouro. Quando lhe pediram que conselho daria a um jovem ator ou atriz, Kate foi taxativa: “Nunca exagere. Olhe Spencer Tracy, Humphrey Bogart. Ou, melhor, observe Olivia de Havilland em ‘Tarde demais’ e verá o que é uma interpretação superior”.