Perci Guzzo *
As nuvens que não se tornaram chuva, para onde foram?
Um fenômeno meteorológico volta a se repetir após uns 7 ou 8 anos nos períodos da primavera e do verão: a formação de bonitos tempos de chuva que se desfazem com o vento ou se tornam chuvas raquíticas. Como diria um amigo, “já não é mais chuva, são pingos nos is”. Vê-se nuvens escuras, amplas e altas – nimbostratus e cumulus nimbos – prenunciando aguaceiros generosos, às vezes temerosos, mas que não deitam água. Um vento sorrateiro se antecipa, dissipa e sabota o que todos aguardavam esperançosamente.
Não é a primeira vez que observo e acompanho esse descuido da natureza.
No último dia de 2023, após uma agradável visita, uma grande amiga ao sair de casa, enviou-me uma mensagem dizendo “de um lado vejo um céu que anuncia um dilúvio; do outro vejo um sol resplandecente”. E completou “é como a vida; c’est la vie”. Imaginei a visão que ela teve ao contemplar o céu e constatar a duplicidade do firmamento… Inspirou-me. E escrevi “La pluie/ Le soleil/ Elle tombe/ Il se couche/ Les deux portent la vie/ Moi, j’accompagne le ciel/ Le plus ciel”.
Vamos à tradução: A chuva/ O sol/ Ela cai/ Ele se deita/ Os dois carregam a vida/ Eu acompanho o céu/ O mais céu”. Usei dos olhos e da admiração dessa amiga para conceber um pequeno poema que de modo simples comunica a manutenção da vida no planeta, ou seja, a equilibrada energia do sol e a boa frequência da chuva.
Na última hora do último entardecer do ano recebi de outro grande amigo, uma fotografia registrando um céu com vários matizes de azul; nuvens leves e nuvens pesadas; e cortando toda a extensão da imagem, o arco de setes faixas com as setes cores do espectro visível. Um arco-íris completo! Daqueles que nas extremidades há dois grandes potes com ouro, incenso e mirra.
Segundo Matheus 2:10, a estrela brilhante de Davi precedia os passos dos Reis Magos, e somente parou no céu por sobre onde estavam Jesus, Maria e José, em Belém, após guiá-los até o palácio do impiedoso Herodes, em Jerusalém. Este desejava a morte do “rei dos Judeus” e determinou que todas as crianças com menos de dois anos fossem degoladas. Graças à crença no céu, Baltazar, Melchior e Gaspar, entre outros magos e sacerdotes zoroástricos vindos da Pérsia, chegaram até o recém-nascido para presenteá-lo e adorá-lo.
Ainda sob um céu noturno, não poderíamos deixar de lado a lua. “Rua, espada nua/ Boia no céu, imensa e amarela/ Tão redonda a lua, como flutua/ Vem navegando o azul do firmamento/ E no silêncio lento/ Um trovador, cheio de estrelas”. Luiza, Antônio Carlos Jobim. Ou, “Lua de São Jorge/ Lua deslumbrante/ Azul verdejante/ Cauda de pavão/ Lua de São Jorge/ Cheia, branca, inteira/ Ó minha bandeira/ Solta na amplidão”. Lua de São Jorge, Caetano Veloso. Por fim, “O luar/ Do luar não há mais nada a dizer/ A não ser/ Que agente precisa ver o luar”. A gente precisa ver o luar, Gilberto Gil.
Mas foi sob o céu de Alegrete e de Porto Alegre que Mário Quintana se inspirou tanto, tanto tanto. Olhem só… “Eu quero o mapa das nuvens e um barco bem vagaroso”. “No movimento lento das barcaças amarradas/ O dia sonolento vai inventando as variações das nuvens”. “Se as coisas são inatingíveis…ora!/ Não é motivo para não querê-las/ Que tristes os caminhos, se não fora a mágica presença das estelas”.
Os tucanos têm pousado com alguma frequência nos ipês rosas do quintal vizinho. Ao ouvir sua vocalização, – tri-tri-tri, chamo meu pai para que observemos juntos a ave maravilhosa. A passarinhada se incomoda, pois o bicho vem para comer quase tudo. Mas permanecem por pouco tempo e se retiram para ganhar a amplidão dos ares. Nossos olhares se despedem daquilo que sempre nos surpreende e nos surpreenderá.
Vocês já assistiram ao curta “Para onde foram as andorinhas?”?