Ao participar de um curso para formadores de seminários, em Vitória (ES), no ano de 1996, ouvi uma estória que gostaria de partilhar com os estimados leitores. Gaston de Mezerville, psicólogo especializado na formação de formadores de seminários a contou. Livremente a traduzo para nossa reflexão, do espanhol para o português.
Numa pequena cidade, certa vez morreu um agiota. Foi para o céu. Estando diante da porta entreaberta do céu, nem ele acreditou poder estar ali. A porta do céu estava entreaberta, mas não havia ninguém para recebê-lo. Nem mesmo São Pedro, a quem costumamos atribuir a tarefa de acolher as pessoas na porta do céu.
Não havia ninguém e não se ouvia nada. Nenhum barulho de anjos, santos, enfim, o céu estava vazio, embora com a porta entreaberta. O agiota entrou. Entrou e sentiu-se como nunca: leveza de alma, serenidade e harmonia indescritíveis. Foi adentrando e conhecendo cada cômodo do céu, mas não via ninguém. Um profundo silêncio pairava no céu.
Chegou diante de outra grande porta, sobre a qual havia um letreiro: Escritório de Deus! Também aquela porta estava entreaberta, mas não havia ninguém. O agiota entrou. Viu uma mesa, atrás dela uma grande cadeira, diante da mesa um banquinho e sobre a mesa os óculos de Deus!
Imediatamente colocou os óculos de Deus e passou a ver tudo como Deus certamente vê: o universo inteiro de uma só vez. Minuciosamente procurou sua cidadezinha. Lá viu seu sócio de agiotagem ameaçando uma pobre viúva que não tinha como lhe pagar os altos juros do empréstimo que fizera. Com os óculos de Deus viu a injustiça que o sócio cometia. Não pensou duas vezes em fazer justiça para com a pobre viúva.
Tomou o banquinho diante da mesa, mirou a testa do sócio e o jogou em sua direção. O sócio teve morte instantânea. Feito isso, ouviu barulho de anjos, santos, até de Nossa Senhora no céu. Era toda a corte retornando de um piquenique celestial. Virando-se, viu também Deus, parado na entrada do escritório. Colocou de volta os óculos de Deus, desculpou-se e tentou justificar sua entrada no céu, porque encontrara a porta entreaberta.
Deus lhe perguntou o que acabara de fazer. O agiota, todo orgulhoso, contou a Deus o que vira com os óculos sobre a mesa e que fizera justiça com uma pobre viúva, que estava sendo ameaçada por seu sócio. E Deus começou a chorar. O agiota, comovido, disse: “Por que o Senhor chora? Não agi corretamente fazendo justiça?” E Deus respondeu entre lágrimas: “Que pena, meu filho. Você fez sim justiça com os óculos de Deus. Mas o que eu esperava mesmo, é que amasse e tivesse misericórdia com o coração de Deus”!
Eis o que Deus espera de nós: promover a justiça com Seus olhos, mas sem deixar de amar e ser misericordiosos com o Seu coração! Espero muito que a pandemia a que fomos submetidos tenha trazido aos porões de nossa intimidade maior espírito de fraternidade, amor desinteressando e capacidade de respeitar o “diferente”, mas principalmente de perdoar, como também nós, pedimos sermos perdoados!