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O Uruguai e sua Literatura (8): A Infidelidade em Mario Benedetti (4)

Um dos primeiros e mais famosos triângulos amorosos da ficção pode ser encontrado já em A Ilíada, de Homero (VI. a.C), um dos dois principais poemas épicos da Grécia Antiga. Nele, Helena, então a mulher mais bela do mundo, filha de Zeus, casa-se com Menelau, que se tornou o rei de Esparta. Porém, indo Páris a Esparta, em missão diplomática, este se apaixona por Helena e ambos fogem para Troia, dando início à Guerra de Troia, que duraria dez anos. De lá para cá, segundo estudiosos do assunto, a temática infidelidade continuou sendo o mote de muitas obras, em diferentes épocas e lugares do mundo. Já no século XIX, este mesmo tema capturou o gosto e a curiosidade de autores e leitores, dando espaço a obras como “Madame Bovary”, de Flaubert e “Ana Karenina”, de Tolstoi, entre outros. No Brasil, por sua vez, coube a Dom Casmurro, de Machado de Assis, um dos exemplos mais famosos de adultério literário, no caso Bentinho/Capitu/Escobar. Tal temá­tica também é algo presente na narrativa de Benedetti, o qual, não incutindo nenhum juízo moral às suas personagens adúlteras, não pretende, com estas, ditar padrões de conduta social e, tampouco, criar personagens que sirvam de exemplo para a sociedade. Tal temática, portanto, sustentando a crença de que a infidelidade nada mais era que uma prática nociva à sociedade burguesa, uma vez que afetava diretamente seu núcleo, a saber, a família.

Benedetti, aproximando homem e mulher no quesito de serem capazes de praticar a infidelidade, seja por serem libertinos ou reprimidos na relação atual em que se encontram, traz, em sua obra, personagens que, em geral, possuem um motivo subjetivo para tal, algo, entretanto, que ultrapassa desejo e instinto. Em outras palavras, na produção literária desse autor uruguaio, a (in)fidelidade depende das escolhas que determinam a identidade das personagens nela envolvida. Exemplos? No conto ‘Triángulo Isósceles’, do referido autor, a personagem Fanny, percebendo a necessidade do marido em ter uma amante, decide, ela mesma, transformar-se nessa. Ex-atriz, havia abandonado tal profissão pelo fato de seu marido, Arsenio, julgar não ser ela boa atriz, uma vez que era sempre possível, para ele, perceber que era ela quem interpretava as personagens. Neste contexto, Fanny transforma-se em Raquel, encontrando-se com Arsenio em um aparta­mento alugado, próximo da casa do casal, sem que este suspeite de nada. Passados dois anos nessa interação, Arsenio compra uma joia para presentear Raquel. Fan­ny, não suportando tal atitude do amante/marido, encerra a farsa, revelando-se e cobrando uma posição do mesmo: “— Ou casa-se comigo, ou se separa de mim!”.

O que é possível extrair dessa leitura? Primeiramente, que, para Benedetti, há uma consciência feminina de que adultério não significa fim de casamento. Segundo, que, a despeito de Fanny não saber lidar com a situação a partir do episódio da jóia, Benedetti reconhece existirem relacionamentos que suportam determinada liberdade conjugal. Por outro lado, para Benedetti, Arsênio reconhecia Fanny em todas as perso­nagens que ela interpretava porque a amava para além do corpo. Já, no caso de Raquel, esta não foi reconhe­cida porque somente seu corpo o interessava. Da obra, podemos extrair o seguinte excerto para comprová-lo: “Nos últimos anos havia mantido outra relação, tão clandestina quanto estável com uma mulher apaixonada, carnal, contraditória e como se isso fosse pouco, extremamente atraente”. O que Benedetti busca mostrar ao seu leitor através dessa perspectiva? Que existe, no mundo real, tanto o amor eterno quanto o amor que não gera eternidade nem garante felicidade conjugal indeterminada. Tal totalidade, plenitude e durabilidade amo­rosa não são pré-requisitos nem garantias num casamento. Em Benedetti, encontro de almas gêmeas é algo possível, sim, mas, de modo geral, passageiro e nunca definitivo. Para ele, homens e mulheres são livres para amar e desejar, ainda que relações socialmente registradas tentem afirmar, simbolicamente, o contrário. Nesta situação, homens e mulheres são iguais, a ambos podendo acontecer o mesmo. Daí o “isósceles” do título.

Por sua vez, no conto ‘Los Pocillos’ (As xícaras), do mesmo autor, tem-se o triângulo amoroso formado por Mariana, seu marido José Claudio e seu cunhado Alberto. Sendo acometido por uma cegueira, José Clau­dio se torna distante e introspectivo, recusando a ajuda da esposa e tratan­do-a com hostilidade. Esta, por sua vez, encontra, na admiração de Alberto, a fuga de tal situação e o reencontro consigo mesma. No final do conto, José Claudio deixa o leitor em dúvida se passou a (re)ver sua esposa pelos olhos do irmão, ou se, nunca tendo estado cego, apenas deixara, sim, de amar Mariana, e, fiel aos bons momentos que haviam passado juntos, sentia-se impedido de dizer-lhe adeus. Uma xícara de uma cor sobre um pires de cor diferente, como na proposta do título. Assim, em Benedetti, de modo geral, o exercício literário é efetuado como forma libertadora e eficaz de o mesmo lutar contra injustiças sociais, solidão, desamor, esquecimento e julgamentos preconceituosos ou tradicionais. Um crítico sobre, e em, seu próprio fazer literário. Um autor que acredita no direito humano da felicidade.

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