Rosemary Conceição dos Santos*
Poeta, escritor e ensaísta uruguaio, Mario Benedetti (1820-2009), de acordo com a crítica, é um dos escritores de língua espanhola mais lido no mundo, tendo escrito em diversos gêneros literários (poesia, novela, romance e conto), além de ensaios, crítica literária e jornalismo. Nacional, urbano e cosmopolita, iniciou-se na literatura uruguaia focalizando o país, bem como, apoiando a Revolução Cubana e criticando características da política norte-americana como racismo, consumismo e individualismo. Integrante do grupo intelectual conhecido como Geração de 45, preocupada em mediar trocas culturais e desenhar uma identidade social e cultural do país após a emancipação deste, Benedetti procura compartilhar com seu leitor as descobertas que realiza da leitura do mundo. Seu livro “Poemas de la Oficina” (1956) foca o comum e o cotidiano visando desmistificar a figura do poeta. Em outras palavras, para ajudar o leitor a encontrar uma outra realidade a partir da transformação da original.
Um poema de exemplo? “Verão/Vou fechar a tarde/se acabou/ não trabalho/o céu é o culpado/que urge como um rio/o ar é o culpado/que está ansioso e não muda/se acabou/ não trabalho/tenho os dedos brandos/ a cabeça remota/ tenho os olhos cheios/de sonhos/eu que sei/ vejo só paredes/ se acabou/ não trabalho/paredes com reprovações/ com ordens/com raivas/ pobrezinhas paredes/ com um só calendário/ que gira lentamente/ dezesseis de dezembro/ Iria fechar a tarde/ mas toca o telefone/ sim senhor em seguida/ como não quando queira.” De acordo com a crítica, este poema foca o conflito existente entre o desejo do trabalhador, de fechar o escritório, de abandonar, de ir embora e a figura do chefe, que impõe a ordem e anula, completamente, o desejo do sujeito. Vemos na poesia de Benedetti uma configuração do cidadão uruguaio oficinista, que possui sonhos e anseios, mas se sente condicionado à rotina diária de seu trabalho burocrático, ao mesmo tempo em que reconhece a importância do trabalho para manter-se como um cidadão.
Publicando a obra “Montevideanos”, em 1959, nela Benedetti tentou desvelar os procedimentos utilizados por um autor na construção de sua ficção. Seu intuito? Buscar a cumplicidade desse leitor na avaliação das tradições a partir de sua própria realidade. Era a nova narrativa latino-americana que, rompendo com a tradição e a influência europeia, descentralizava vozes e investia na polifonia buscando revelar conteúdos ideológicos e políticos. O alcance? Uma proliferação de pontos de vista muitas vezes contrários aos da literatura anterior. Também podemos evidenciar tais características em ¿Quién de nosotros? (1953), sua primeira novela. Acerca disso, são palavras do autor “A literatura latino-americana passa hoje por uma das etapas mais vitais e criativas de sua história. Evidentemente, já não se trata de grandes nomes isolados, que sempre existiram, mas de uma primeira linha de escritores capazes de assumir sua realidade, seu entorno, e também de inscrever-se, com estilo próprio, nas correntes que, constantemente e em escala mundial, se encarregam de renovar o fato artístico. As inovações literárias europeias e norte-americanas já não devem esperar décadas para chegar aos escritores de América Latina; por outro lado, como consequência indireta dessa proximidade, são cada vez mais infrequentes as imitações demasiadamente respeitosas e servis.”
Verifica-se, portanto, que as grandes mudanças na história da América Latina, acentuadas a partir dos anos cinquenta, estreita as relações do autor com questões políticas, o que acaba refletido em seu fazer poético, especialmente sobre suas críticas acerca dos problemas da arte. De acordo com especialistas, a partir do triunfo da Revolução Cubana, em 1959, Benedetti aproximou-se de questões políticas e sociais do Uruguai e do restante da América Latina de um modo geral, preocupado com seu povo e o destino de seu continente, adaptando sua palavra ao contexto local, consciente que a reprodução dos modelos europeus de literatura significava também uma perpetuação da colonização e exploração que prejudicava o povo latino. “O uruguaio configura-se como um ressignificador da história da América Latina, resistindo às interpretações prontas dos fatos históricos, de sua arte e de sua cultura”.
Isso leva a afirmações de que a obra de Benedetti pode ser percebida em duas grandes fases: “uma que começava em 1945, com a poesia “La vísperaindeleble” e se expandia até a narrativa “Quién de nosotros” (1953), os contos de “Montevideanos”, os “Poemas de la oficina, o ensaio “El país de la cola de paja” (1960), as novelas “La trégua” e “Gracias por elfuego” (1965). O traço fundamental desta etapa foi a crítica social desde a ética, a visão do país e seus habitantes segundo a razão moral. Tratava-se, também, posto de um modo esquemático, de uma perspectiva pessimista. Por sua vez, a segunda fase se caracterizando pela politização de seu pensamento e de sua literatura, e pela busca de horizontes mais amplos que os do próprio país. Assim, nos trabalhos do autor, é o compromisso por ele mantido com a realidade, alcançado através da observação, reflexão e transformação através da palavra, que merece grande destaque.
Professora Universitária*