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O Uruguai e sua Literatura (21): La ventana, de Jesús Alberto Moraes e “El mundo en una nuez”, de Jorge Majfud

“O mais estranho naquela casa era a ausência de portas, o único acesso que tinha era uma janela estranha, que se projetava de uma das paredes laterais, como uma bica de garrafa. Uma fivela de latão combinava com enormes alfinetes nas venezianas. A julgar pela madeira podre das venezianas e uma população de líquenes aderindo a elas, tudo sugeria que a janela não era aberta havia séculos. A necessidade de abrigo era tão forte naquela época que ninguém se surpreendeu com o fato de que a barra da janela estava do lado de fora da casa. Quando ele moveu o trinco, este cedeu sem dificuldade, mas a janela rangeu como se estivesse colada na moldura e se abriu como se se rasgasse. Entramos com a alegria de ter evitado os perigos dos elementos. Na verdade, não sabíamos onde havíamos acabado de entrar, e naquela noite dormimos como pedras.

Quando acordamos, a janela havia sido movida em direção ao teto e agora parecia uma lareira sem fim que mal deixava entrar luz no final. A sala em que estávamos era uma câmara redonda com piso de terra. Ao longe, quase minúsculo, brilhava no meio do teto, a janela pela qual havíamos entrado. Nas laterais daquela sala, havia duas outras câmeras, também redondas, mas muito menores. Para entrar era necessário inclinar-se, dali, algumas galerias muito estreitas comunicadas, com escadas curvas e uma rede de corredores que comunicavam entre si por pontes suspensas. Sabíamos o risco que corríamos quando nos separamos, mas a única maneira de subir até a janela era entrar nessas galerias, e foi o que fizemos. A luz filtrava-se pelas fendas e vinha tanto de baixo como de cima, por isso era muito difícil saber se estávamos a subir ou a descer, à procura da janela perdida.

Nesse ponto, eu já tinha perdido a esperança de encontrar o caminho de saída e desisti de vagar. No chão, descobri um crânio bastante achatado para trás e as mandíbulas desproporcionalmente para a frente. Também encontrei flechas, potes de barro e ferramentas de caça trabalhadas em pedra. Em um dos cantos mais escuros, topei com uma Vênus esculpida em pedra, ela tinha uma certa posição fetal e sua barriga, seios e nádegas eram exageradamente desproporcionais. Não sei quanto tempo fiquei contemplando aquela peça, que foi maravilhosa para mim. Na verdade, eu nem me lembrava mais da janela. E eu não me importei nem um pouco em que diabos eu tinha me metido. Ao contrário, estava começando a gostar da ideia de morrer preso naquela caverna e fazer parte dos resquícios daquela cultura.

Foi nesse momento que descobri alguns desenhos na parede que me eram familiares, eram silhuetas huma­nas que corriam, um mamute e do outro lado, um animal semelhante a um touro ou a um bisão, coloridas com diferentes tons de vermelho e de negro que se tornaram cada vez mais luminosos, até que a janela aberta, pela qual tínhamos entrado, foi desenhada cristalina, linda. Lá fora, todos os meus companheiros gritavam: “Vamos cara, pule essa janela imediatamente!”

“El mundo en una nuez” (O mundo em uma noz),
trecho de ensaio de Jorge Majfud

Alguém certa vez ligou para uma estação de rádio na Geórgia para comentar sobre os maiores problemas que assolam o mundo. O locutor, como é seu costu­me, interrompeu-o. “Oh, cara; espere, espere, espere! Pare! – dizendo que em menos de quinze segundos definiria o que é o socialismo e em que consiste o capitalismo. De fato, em quinze segundos ou menos, ele deu duas definições “completas e absolutas” do que é um e do que é o outro. Com entusiasmo, acrescentou: “E tudo isso, o que levaria anos em qualquer universidade, você aprendeu em quinze segundos. E livre”. Essa última observação não poderia faltar, pois corresponde à primeira, em um mundo formado e deformado pela cultura do consumo rápido e sistemático, além do ódio disfarçado às universidades. A anedota me lembra quando alguém na Grécia – a anedota é atribuída a Platão, mas este fato parece duvidoso e insignificante para mim – definiu o homem como “um animal bípede e implanta” e Diógenes jogou uma galinha depenada entre a multidão: “Eis o homem ”, ironizou.

Este é o nível de inteligência dos ideólogos que escondem covardes sob o falso disfarce do pragmatismo. Sua epistemo­logia equivaleria a dizer que alguém é capaz de definir o que é o mundo em quinze segundos. Ou menos: o mundo é uma esfera. Ou eu minto? Bem, quase uma esfera. E eu disse isso em menos de dez segundos. Agora, não é que o mundo é algo mais do que uma esfera? Num mundo onde predomina a mentalidade de consumo – ainda entendo que seja uma falha da transição histórica – poder simplificar, não se preocupar com conceitos complexos é uma virtude. Afinal, como bem sabe N. García Canclini, o comércio substituiu a política, enquanto os consumidores substituíram o cidadão moderno. Seguin­do o exemplo do nosso sábio orador, poderíamos ter toda uma taxonomia de conceitos, cada um resumido em uma única linha e, quando alguém perguntar sobre uma coisa ou outra, poderíamos responder com grande clareza: “a é c”. E ponto. Essa segurança sempre dá a sensação de conhecimento. Na verdade, é um tipo de conhecimento: é um conhecimento lixo, assim como hambúrgueres feitos de gesso e carne de minhoca são um tipo de alimento. Mas se nossas sociedades da infor­mação estão longe de qualquer tipo de conhecimento sustentável, estão ainda mais longe de qualquer tipo de sabedoria”.

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