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O Uruguai e sua Literatura (20): Jesús Alberto Moraes e Jorge Majfud

Jesús Alberto Moraes nasceu em Bella Unión, Uruguai, em 1955. Décimo filho de uma família de quatorze irmãos, ten­do terminado seus estudos secundários, e estudado Filosofia, ingressou no Seminário do Clero Diocesano em Montevidéu, porém, sem neste concluir os mesmos. Retornando à propriedade agrícola dos pais, no norte do país, deu continuidade a essa atividade, intercalando-a, de tempos em tempos, com suas incursões à literatura, na qual produziu o romance “Sótanos y Ventanas” (1991), o qual foi traduzido, no Brasil, por Sérgio Faraco, intitulando-se “Os demônios de Pilar Ramírez”, além de transformado em filme, e a coletânea de contos “El descubrimiento” (1997), popularmente conhecida. “Sótanos y Ventanas”, trata da paixão proibida de uma mulher pelo pároco local, a qual só consegue se livrar de tal tormenta através da magia. “El descubrimiento”, trata da opressão e libertação presentes em uma pequena cidade do norte uruguaio, na qual os personagens buscam seus destinos e suas verdades por meio do trabalho, da fantasia e da religião. Deslocando o foco de sua obra para a região norte do Uruguai, e conferindo à mesma discussões acerca do religioso em contraste com o maravilhoso, Moraes destoa da literatura produzida nos séculos 20 e 21 no país, de modo geral voltada à capital, Montevidéu, e à história nacional, pontuada pela ideologia.

Por sua vez, Jorge Majfud, nascido em 1969, em Tacuarembó, Uruguai, filho de pai carpinteiro e da escultora Marle­ne Albernaz, realizou seus estudos na Escola Nacional de Belas Artes e na Faculdade de Arquitetura da Universidade da República do Uruguai, onde se formou em 1996. Optando pela vida acadêmica, Majfud, com mestrado em Literatura e doutorado em Filosofia e Letras, dedicou-se integralmente à literatura, publicando artigos em diferentes meios de comuni­cação. Desde seus primeiros contos, sua surpreendente maturidade é marcante e, de acordo com a crítica, em sua literatura, Majfud atinge momentos de grande profundidade poética para retornar, imediatamente, a uma prosa com características coloquiais, alcançando a complexidade com a simplicidade.

No Uruguai, no início do século 20, como no resto da América Latina, à medida que o capitalismo se instalava, o mes­mo passava de dominante a hegemônico. Dominante, convivia com outras formas arcaicas de produção, que atuavam como freio ao nível produtivo das novas tecnologias. Hegemônico, imposto pela guerra civil de 1904, tornava-se a única forma de produção no país. Com os poderes econômico e político indo do campo para a cidade, também a literatura passa, gradual­mente, de rural para urbana, ambos impactando diretamente em todos os aspectos sociais, culturais, educacionais e ideo­lógicos nacionais, mudando historicamente a vida do então jovem país. O romance “O poço”, de Juan Carlos Onetti, sendo considerado, por muitos críticos, o exemplo do ponto de ruptura no contexto literário de então, com seu autor criticando, nas páginas do semanário Marcha, o então predominante realismo camponês nas letras locais. Geograficamente localizado entre o Brasil e a Argentina, dois gigantes da América do Sul, a única possibilidade de sobrevivência cultural uruguaia reve­lando-se, portanto, resistir em todos e em cada um dos aspectos de sua idiossincrasia. No idioma, onde termos tipicamente uruguaios como gurí ou botija – dois sinônimos da palavra “criança”, no futebol, identidade nacional, na literatura, em que ser escritor, a despeito da baixa rentabilidade advinda de, continua sendo um modo de vida.

Na entrada da década de 80, com a sangrenta ditadura uruguaia chegando ao fim, as formas de lutar por mudanças sociais se modificam: a militância deixa de ser exclusiva de partidos e de organizações vinculadas ao proletariado, alteran­do substancialmente o tradicional conceito de compromisso político a favor da gramsciana teoria da hegemonia cultural, que descreve como o Estado usa, nas sociedades ocidentais, as instituições culturais para conservar o poder. Modificando a composição da sociedade, sem serem reformistas, tornam-se, por sua vez, o motor das novas mudanças, promovendo o surgimento de um heterogêneo grupo de escritores unidos pela luta em comum contra a tirania. Entre seus integrantes, com voz original e ampla difusão internacional, encontra-se Jorge Majfud.

Exercitando uma linguagem coloquial, objetiva e sem muito apego à metáfora, e às figuras de linguagem em geral, Majfud dispensa a busca pelo brilho pessoal, deixando tal privilégio para seu privilegiado observador, que permite ao texto, e somente a ele, viver a própria existência. Em que reside sua originalidade, então? Reside na proposta do autor de tentar mostrar ao leitor, com a descrição psicológica dominando levemente a física, outra realidade social possível, manejando delírios e visões oníricas de um estranho realismo, muito próximo do gênero fantástico. Dentre sua vasta obra, destacam­-se, entre outros: “Para qual país de silêncio / memórias de uma pessoa desaparecida” (romance, 1996), “Crítica da Paixão Pura” (ensaios, 1998), “The Queen of America” (romance, 2001), “O tempo que tive de viver” (ensaios, 2004), “A narrativa dos sentidos invisíveis / ideológicos da América Latina” (ensaios, 2006), “Perdoe nossos pecados” (contos, 2007), “A cidade da Lua” (romance, 2009), “Crisis” (romance, 2012), “Cyborgs” (ensaios, 2012), “O eterno retorno de Quetzalcoátl” (2012); “Contos” (audiolivro, 2014), “Cinema político latino-americano” (ensaios, 2014), “Hermenêutica” (ensaios, 2014), “O pas­sado sempre volta” (contos, 2014), “Algo deu errado” (contos, 2015), “O mar estava sereno”, (2017), “USES. Deus confia em nós?” (ensaios, 2017), “Neomedievismo. Reflexões sobre a Era Pós-Iluminismo”, (ensaios, 2018).

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