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O Uruguai e sua Literatura (17): Eduardo Galeano (3)

Em 1971, Eduardo Galeano escreveu sua obra-prima, “As Veias Abertas da América Latina.” Nesta obra, o autor analisa a história da América Latina desde o período da colonização europeia até a Idade Contemporânea, argumentando contra a exploração econômica e a dominação política do continente, primeiramente pelos europeus e seus descendentes e, posteriormente, pelos Estados Unidos, em ambos os casos ocasionando constante derramamento de sangue indígena. Entretanto, a exposição de impactantes eventos da história do continente ocasionou que o livro fosse banido na Argentina, Brasil, Chile e Uruguai durante as ditaduras militares destes países.

Em 1973, com o golpe militar do Uruguai, Galeano foi preso e mais tarde seu nome foi colocado na lista dos esquadrões da morte e, temendo por sua vida, exilou-se na Espanha, onde deu início à trilogia “Memória do Fogo”, por nós já apresentada em abordagem anterior. Neste mesmo período, o autor viria a escrever a obra “Vagamundo”, coletânea de contos/relatos que, inspirados ou compilados de olhares sobre a realidade, e a história, do Uruguai, revisitam os ancestrais do autor, mantendo, sempre, uma visão de estranhamento em re­lação às coisas da vida. Um trecho? “Eu tinha ido embora porque queria mudar. Senão, no dia menos esperado ia estar dentro do caixão de morto sem saber para que existira. Pensava nos caras que não têm novidades novas para contar, e não sobra outro jeito que contar novidades velhas ou pichar os outros. Para mim, valia mais morrer que seguir vivendo assim, carregando água para as casas e dá-lhe lustrar sapatos na estação do trem e sempre com dor nos rins. Viver assim pra quê?”.

Em 1989, seu “O livro dos abraços” trouxe suas divagações e reflexões diante da contemplação da vida, do outro e dos diversos caminhos pelos quais segue a humanidade. Trechos? “Um homem da al­deia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir ao céus. Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas. – O mundo é isso – revelou. – Um montão de gente, um mar de fogueirinhas. Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo.” Outro trecho seria, “Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejan­do, pediu ao pai: – Me ajuda a olhar!”

Em 1993, “As palavras andantes” traz ao leitor as lendas urbanas e a mito­logia tradicional da América Latina, com personagens que se movem entre o real e o fantástico, o sagrado e o profano, os vivos e os fantasmas, os humanos e os animais. E se, por um lado, seu autor trata de forma poética o futebol, as amizades, a música e os amores, transforma o poético em olhar mordaz ao denunciar a penúria dos oprimidos e a iniquidade dos opressores. Um trecho? “Uma mesa remendada, velhas letrinhas móveis de chumbo ou madeira, uma prensa que talvez Gutenberg tenha usado: a oficina de José Francisco Borges na cidadezinha de Bezerros, no interior do nordeste do Brasil. O ar cheira a tinta, cheira a madeira. As pranchas de madeira, em pilhas altas, esperam que Borges as talhe, enquanto as gravuras frescas, recém-impressas, secam dependuradas no arame de um varal. Com sua cara talhada em madeira, Borges me olha sem dizer nada. Em plena era da televisão, Borges continua sendo um artista da antiga tradição do cordel. Em minúsculos folhetos, conta causos e lendas: ele escreve os versos, talha as pranchas, imprime as gravuras, carrega os folhe­tos nos ombros e os oferece nas feiras, de povoado em povoado, cantando em ladainhas as façanhas das pessoas e dos fantasmas. Eu vim à sua oficina para convidá-lo a trabalhar comigo. Explico meu projeto: imagens dele, suas artes da gravura, e palavras minhas. Ele se cala. Eu falo e falo, explican­do. Ele, nada. E assim continuamos, até que de repente percebo: minhas palavras não têm música. Estou soprando em flauta rachada. O não nascido não se explica, não se entende: se sente, se apalpa quando se move. E então deixo de explicar; e conto. Conto para ele as histórias de espantos e encantos que quero escrever, vozes que recolhi nos caminhos e sonhos meus, de tanto andar acordado, realidades deliradas, delírios realizados, palavras andantes que encontrei – ou fui por elas encontrado. Conto a ele os contos; e este livro nasce.”

Por sua vez, “Os filhos dos dias” (2012), inspirado na sabedoria maia, traz 366 relatos que compõem a história, desde a Antiguidade até o presente. De acordo com a versão do Génesis ouvida pelo autor numa comunidade maia da Guatemala, “Se somos filhos dos dias, nada há de estranho que cada dia tenha uma história para oferecer”, o livro, escrito em forma de calendário, traz episódios que ocorreram no México de 1585, no Brasil de 1808, na Alemanha de 1933 e noutras épocas e países.

Em entrevista ao site mexicano La Jornada, disse o autor: “Vivemos presos numa cultura universal que confunde a grandeza com o grandinho. Creio que a grandeza alenta, escondida, nas coisas pequeninas, as pequenas histórias da vida quotidiana que vão formando o colorido mosaico da história grande. Não é fácil ouvir esses sussurros quando vivemos mal a vida convertida no espetáculo grande e gigantesco”. O autor faleceu em 2015.

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