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O Uruguai e sua Literatura (16): Eduardo Galeano (2)

Entendendo que um autor, ao buscar retratar o passado em sua ficção, deva triar o que pode ser compreendido e o que deve ser duvidado, Eduardo Gale­ano pontua a necessidade deste autor verificar a autenticidade e a crítica das fontes, bem como, da datação dos vestígios, da notoriedade das personagens e, principalmente, da referencialidade da linguagem. Ao se estabelecer a marcação temporal do fato histórico a ser narrado, a reflexão filosófica, espera-se, será igual à original. Entretanto, isso não ocorre. De acordo com os estudos filosófi­cos, embora a consciência do escritor se esforce para preservar todas as carac­terísticas de algo como este era no início, esse algo, no tempo presente, deixa de ser o que era, tornando-se sempre outra coisa, a saber, um elemento em transformação. Decorre daí, portanto, o fato de romances históricos apresenta­rem-se como uma releitura atualizada de determinado período: o presente, com todas as inovações, impõe sua marca na reconstrução histórica. Um exemplo prático disso? O calendário. Nas explicações dos especialistas, o calendário é um artifício criado pelo homem que funciona como uma ponte entre o tempo natural e o vivido, mantendo a diferença entre um e outro, mas sem os restringir. Antes, complementando-os. A isso, Paul Rico­eur chama de “terceiro tempo”. Enquanto historiador, Galeano, ao buscar reconstruir as imagens do passado, toma a memória como sua ferramenta mais valiosa.

“Memória do Fogo”, por exemplo, é uma trilogia do escritor uruguaio, publicada entre 1982 e 1986, com­posta pelos títulos “Os Nascimentos” ( 1982 ), “As Faces e as Máscaras” ( 1984 ) e “O Século do Vento” ( 1986 ). Contando a história da América Latina , desde a criação do mundo até os dias atuais, cada volume é organizado cronologicamente. Assim, o primeiro volume aborda da criação do mundo ao século XVII; o segun­do, os séculos XVIII e XIX; e, o terceiro, o século XX. Cada texto, com­posto por uma sucessão de histórias escritas em prosa, quando não em prosa poética, traz, ao seu final, as fontes consultadas para feitura de sua narrativa, das quais constam tanto fontes primárias, jornais e documen­tos históricos do período, como fontes secundárias, obras acadêmicas sobre o assunto. O porquê de o autor assim escrever? De acordo com especialistas, para comunicar o que ele entende ser a verdade histórica. “Ao trazer o discurso de autoridade para a sua narrativa, Galeano, além de cumprir outro procedimento da empreitada historiográfica, busca apagar os traços de subjetividade de seu discurso”.

Entretanto, nesta empreitada, Galeano, segundo estudiosos, “não consegue suprimir o traço de subjeti­vidade, uma vez que… a ironia, recurso característico do autor nos textos em que traz o método pragmático documental, pode ser interpretada como um índice dessa subjetividade”. A ironia, recurso predominante na historiografia do século XIX, foi, nos momentos de guerra contra a superstição, presente na fé religiosa, no poder da monarquia, nos privilégios da aristocracia e na autossatisfação da burguesia, a consciência do que era a superficiali­dade dos fatos históricos, ou seja, o farol a distinguir o real conhecimento histórico em meio aos eventos então des­critos. A que ela se opunha, e ainda se opõe? Ao superficialismo de uma consciência histórica frágil, cuja percepção simplória do processo histórico, bem como, da sensação da passagem linear do tempo, não permite compreender o desenvolvimento não dialético da natureza humana. Tal composição de enredo irônico, em Galeano, é o que determina o desaparecimento do herói. Logo, o autor utiliza tal recurso para manifestar a frustração e inade­quação do homem quando este não consegue lidar com todas as manifestações historiográficas.

Por adição, outra característica importante da escrita de Galeano é como ele configura o sujeito de seu texto: cria um narrador que apresenta ao leitor como os fatos ocorreram, traço característico do jornalismo. Como uma câmera colocando, em paralelo, a representação política e pública da personagem e sua repre­sentação doméstica e privada. Afeito a narrar fatos históricos de grandes personalidades. Algumas delas? Olympio Mourão Filho (1900-1972), importante general mineiro, membro da Ação Integralista Brasileira, que participou diretamente de dois episódios da história do Brasil: a configu­ração do Plano Cohen e o Golpe Militar de 1964; Getúlio Dornelles Var­gas (1882-1954), governante do “Estado Novo”; João Belchior Marques Goulart (1961-1964), vigésimo-quarto presidente do Brasil; Lyndon Bai­nes Johnson (1962-1966), ex-presidente dos Estados Unidos, que assumiu o cargo após o assassinato de John Kennedy, em 1962; Leonel de Moura Brizola (1922-2004), na época Deputado Federal pelo Rio Grande do Sul e importante aliado de Goulart; e Humberto de Alencar Castelo Branco (1900-1967), que assumiu a presidência do Brasil em 15 de abril de 1964.

Como Galeano consegue abordar, em um pequeno texto, tantas personalidades e conteúdos históricos? De acordo com especialistas, pelo fato de o mesmo conseguir “sintetizar a substância e compor uma forma narrativa compartimentalizada… Embora o autor fale de alguma característica física, ele não se prende ao seu detalhamento, pois está mais interessado em apresentar os traços éticos e morais que as constituem”.

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