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O Uruguai e sua Literatura (10): a Prosa de Juana de Ibarbourou

Jorge Arbeleche, poeta uruguaio, em contribuição à La Otra – Revista de poesía + Artes vi­suales + Otras letras, ao destacar a importância da obra narrativa de seu país, afirma que Ángel Rama, ao analisar a obra de Juana de Ibarbourou, afirmou que, durante o prolongado silêncio lírico que vai da publicação de “La Rosa de los Vientos”, em 1930, até a publicação de “Perdida”, em 1950, surgiram algumas das obras em prosa mais significativas de Juana de Ibarbourou, como “Estampas de la Biblia” e muito especialmente “Chico Carlo”, que alcançou enormes ní­veis de difusão não só na América Latina, mas em todo o mundo de língua espanhola. Segundo o poeta, já em “El Cántaro Fresco”, de 1920, algo similar de “Las Lenguas de Diamante” e já se encontrava presente, bem como, a melancolia emergente em “Raíz Salvaje”. El Cántaro Fresco, com­posto por estampas curtas que poderiam constituir o que se chama de poemas em prosa, reafirma a ideia de que, embora não existam versos ou estrofes, toda a atmosfera e clima criados são de natureza claramente lírica. Na obra, em alguns momentos, segundo Arbeleche, aparecia a ponta previsível de uma anedota, o fio inicial de uma história que ainda não foi tecida, pois o que Ibarbourou parecia estar determinada a refletir eram alguns momentos fugidios, evocativos ou reflexivos, transmi­tidos com a linguagem da prosa delicada, flexível, imediata leitura de comunicação.

Por sua vez, afirma o poeta, as seguintes obras em prosa só aparecerão em 1934, um ano significativo para a publicação de dois livros do gênero. “Loores de Nuestra Señora” e “Estampas de la Biblia”. Se bem que, em ambas, a suavidade reaparece numa linguagem que, ao mesmo tempo que comunicacional, dá mostras de elaboradas composições através da utilização de tempos variados e distintos. Enquanto o primeiro livro mostra a devoção religiosa da autora à Virgem Maria, através de uma prosa de exaltação fervorosa, ao mesmo tempo mostra uma proximidade quase familiar com a figura mítica. É um devocional límpido, cheio de frescor e distante de todo planejamento dogmático. Por sua vez, segundo Arbeleche, as impressões da Bíblia nos ensinam outra faceta de Ibarbourou na prosa. Aqui, às vezes, aparecem relances de narrativas embrionárias, como atestam as páginas dedicadas a Judith, David ou Bethsabée. O ar dessas gravuras é o mesmo que foi respirado em algumas passagens do livro de poesia inicial,” Las Lenguas de Diamante”. Todos aqueles dedicados a Thais ou a María Magdalena, impregnados de um forte entismo, reaparecem aqui, da voz autoral na primeira pessoa que se encarna nas personagens e fala tanto do gênero feminino quanto masculino. Essas recriações de algumas figuras do Antigo Testamento mostram, segundo o poeta, um amplo conhecimento do livro sagrado e uma obra de linguagem superior.

Passados dez longos anos, o poeta afirma que Juana escreve muito, textos ocasionais, a pedido, às custas de uma generosidade aberta, às vezes esbanjando muito em vários prólogos de livros de diversos valores, que contavam com a famosa assinatura para travar a luta pela sobrevi­vência no duro mundo de literatura de criação. Não havendo, entretanto, muitos sobreviventes, segundo Arbeleche, este entende que, certamente, Juana não era estranha à percepção crítica, mas geralmente sua generosidade ilimitada prevalecia sobre o rigor. Enquanto isso, segundo o poeta, ela se deixava envolver pela melancolia, mas não sem graça, acompanhada de travessura e humor. Disso surge “Chico Carlo”, um de seus melhores, e mais populares, livros, com grande número de edições em todo o mundo hispânico. Nessas lembranças de sua infância, Juana ela­bora pequenas histórias de sabor picante, onde o olhar pasmo para a cruel realidade da derrota não está isento, quando seus olhos infantis observam com espanto o retorno inglório daqueles maltrapilhos soldados, em lugar dos heróis cavalheirescos que sua imaginação febril de infância havia criado em sua mente e em seu desejo de fazer parte de seu retorno triunfante. Esses homens, emblemas do fracasso da revolução liderada por Apa­ricio Saravia no final dos séculos XIX e XX, de repente lhe revelaram a distância intransponível que medeia entre a ilusão e a realidade. O livro inteiro, segundo Arbeleche, reflete esse dilema enquanto recria, com clareza alegre, o mundo mágico idealizado de sua infância. Juana sempre colocará, então, a fábula alegre e maleável antes da realidade rígida e espinhosa em suas memórias de infância.

Outra característica a destacar é aquela relacionada ao surgimento do humor e da ironia que só aparecem na prosa, prin­cipalmente na narrativa, e às vezes também na correspondência. Alguns aspectos que apareceram em “Chico Carlo”, afirma o poeta, reaparecerão, posteriormente, em “Juan Soldado” e em algumas páginas individuais de suas “Obras Completas”. Nas palavras do poeta, Juana era uma escritora de cartas incansável. Da carta ingê­nua e descarada a Unamuno, em 1919, aos obituários mínimos enviados a amigos ou familiares, Juana sempre escreveu. E essas amostras do talento criativo de sua escrita são mantidas até o final de sua vida. Assim, em seu último livro publicado, “Juan Soldado” (Losada, 1971, Buenos Aires), um livro irregular e irregular, mas valioso, onde reúne histórias de diferentes épocas e de qualidade variada, alguns de seus maiores contos reaparecem, por exemplo, no conto Las Nupcias, escolhido por Rama para abrir a antologia publicada em Editorial ARCA, Montevidéu, em 1966, “La medio del amor contado por seis mulheres”; nele, algumas vezes, aparece uma prosa de natureza onírica e visionária, com um ritmo narrativo poderoso e tempe­ratura emocional angustiada. Ou na recriação da fábula que dá título ao livro; Ali, Juana é fiel ao seu tema pessoal: a evocação e a recriação de um mundo ideal e idea­lizado – o de um paraíso perdido, mas vivido em plenitude e desejado para sempre.

Outras facetas interessantes de sua prosa aparecem em seus discursos, alguns deles verdadeiramente exemplares, como o que proferiu ao ingressar na Academia Nacional de Letras, ou em sua correspondência, onde uma de suas manifestações de talento para o gênero epistolar é a sua. resposta ao Embaixador da Espanha de Franco, em 1946, onde exprime, energi­camente, a sua defesa da liberdade e da democracia. Da mesma forma, ao fazermos um levantamento da sua prosa, através das suas manifestações mais marcantes e, ao mesmo tempo, menos conhecidas, não devemos esquecer as poucas, mas ricas, leituras de outros poetas com um olhar crítico, por vezes surpreendente, como desconhecido mas também sutilmente afia­do. Prova disso é o estudo crítico sobre “El uruguayo Carlos Rodríguez Pintos”, ou o esplêndido retrato feito por Juana de Susana Soca, que apareceu na homenagem que “!Entregas de La Licorne” fez ao poeta tragicamente desaparecido.

Tudo isso mostra que ainda há muito a se estudar na poesia e na prosa de Juana, que, além de seus altos e baixos naturais ao longo de quase 60 anos, nos mostra a autora de uma obra pessoal, sólida e compacta, plena graça, demonstrando uma criadora de alto nível, cujo trabalho se sustenta e se projeta sobre a base única de seu talento artístico e de sua capacidade comunicativa com o leitor do século XXI. Este, continua a consumir suas obras, mesmo depois de mais de trinta anos após sua morte, a qual continua a ser reeditada no todo ou em parte. Uma autora de grande destaque na literatura de língua espanhola do século XX.

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