Tribuna Ribeirão
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O Tom da ecologia 

Perci Guzzo *
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Dias atrás, mais precisamente no domingo passado, 8 de dezembro, eu reorganizava minha hemeroteca quando me deparei com um caderno especial da Folha de S.Paulo, datado de 9 de dezembro de 1994, com o título garrafal na primeira página: “Morre o maior compositor brasileiro”. Ocupando a maior parte desta mesma página, Tom Jobim de jaqueta clara e chapéu de feltro, segura um charuto aceso. Opoeta traz um semblante um pouco entristecido, cansado, talvez até preocupado… Sim, já são 30 anos sem Jobim.

Eu vinha colocando em dúvida a existência da minha hemeroteca (estagnada) e eis que ela reaviva minh’alma e renova sua importância neste final de ano! Leio o tal caderno de cabo a rabo numa sentada. Revisito minha busca por compreender e contemplar melhor, meu ídolo. A pessoa, o artista, sua incomparável música e seu brilhante talento. Tom transborda em mim.

Em Clementina (SP), cidade onde passei a infância e juventude, os discos demoravam um pouco pra chegar. Tive um amigo (Fábio) na fase da descoberta da música – 16 aos 21 anos – dono da única lanchonete da cidade, que me apresentava só coisas bonitas da MPB. Me recordo o dia quando me disse, “quero te apresentar o novo trabalho de Tom Jobim. Coisa fina! Chama-se Passarim”. Ouvimos várias vezes, madrugada adentro, cada uma das canções, trocando percepções e ideias a respeito da fabulosa musicalidade daquele disco. Foi assim que conheci e passei a admirar nosso ‘maestro soberano’.Lembremo-nos que esse epíteto foi dado por Chico Buarque na música “Paratodos”.

Nesse ínterim, eu iniciava minha graduação em Ecologia na UNESP, Campus de Rio Claro, SP. Aos poucos fui me encantando cada vez mais com Tom Jobim. Suas músicas mateiras, assim chamadas, que falavam/falam de natureza, me tocavam/tocam demais: Passarim, Correnteza, Matita Perê, Chovendo na Roseira, Pato Preto, Borzeguim, Urubu e Águas de Março, por exemplo. Em minha formatura, sugeri que Tom fosse nosso patrono. Voto vencido. Para reparar minha frustração, decidiram que a música escolhida para a ocasião seria uma composição dele. Decidimos por Luíza. Durante a cerimônia quando a ouvi na bela voz de um colega de turma (Ênio), não escondi toda emoção. “Lua, espada nua, boia no céu, imensa e amarela, tão redonda lua, como flutua, vem navegando o azul do firmamento e no silêncio lento, um trovador, cheio de estrelas”.

Tom defendia a Mata Atlântica e todas as outras matas com suas composições e em todas as oportunidades que tinha. Segundo alguns jornalistas, nos anos que antecederam sua morte, não adiantava fazer perguntas que não fossem relacionadas à questão ecológica, pois ele queria falar sobre isso. Queria denunciar o fogo, a poluição e a destruição das florestas.

Era apaixonado por animais silvestres, sobretudo pelas aves. “O pato preto de asa branca, já fez morada no brejão, isso é sinal que a chuva vem e vai ter safra no sertão. O pato preto é da floresta, o paturi é do sertão, a minha vida é cardigueira, avante, arribação” (Pato Preto).

Cheguei em Ribeirão com meu trabalho de conclusão de curso (TCC) debaixo do braço. Um dos resultados era um anteprojeto de parque para uma grande área degradada em meio a conjuntos habitacionais da Zona Noroeste da cidade. Já como funcionário da Prefeitura Municipal, apresentei a ideia ao professor Gilberto Abreu, na época o responsável pela pasta ambiental do município. Tom Jobim acabava de nos deixar naqueles dias. Sugeri a homenagem; Gilberto topou na hora. O Parque Tom Jobim aqui em Ribeirão talvez tenha sido uma das primeiras homenagens feitas ao músico.

Não consigo imaginar Tom Jobim nos dias de hoje. É muita destruição, impunidade, improviso, barulho, conflitos e mortes no Brasil, apesar dos tantos esforços para estancar toda essa brutalidade. Nesse contexto de experimento da barbárie, jamais faremos outro como ele. No entanto, resta-nos algo grandioso: sua obra. Esta pode, sim, sensibilizar-nos e nos demover desse rumo estranho.No site do Instituto Antônio Carlos Jobim é possível ter acesso a toda a sua obra.

* Ecólogo e Mestre em Geociências. Autor do livro “Na nervura da folha”, lançado em 2023 pelo selo Corixo Edições 

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