Tribuna Ribeirão
Túnel do Tempo

O todo-poderoso Coronel Quinzinho

Nicola Tornatore

A série Túnel do Tempo recorda nesta edição a história daquele que é considerado o ho­mem mais poderoso nesses 162 anos de Ribeirão Preto. Historia­dores, cientistas políticos, pro­fessores afins concordam que ele foi o maior líder político da cida­de – ninguém concentrou tanto poder, durante tanto tempo, quanto o coronel Joaquim da Cunha Diniz Junqueira. Cargo eletivo só exerceu um – o de vereador na primeira Legis­latura da Câmara Municipal, após a Proclamação da Repú­blica (1890-1892), mas a elei­ção foi anulada em setembro de 1892. No site do Legislativo o nome do chamado “Coronel Quinzinho” sequer aparece en­tre os parlamentares daquela confusa legislatura.

O PRINCIPAL adversário político de Joaquim da Cunha Diniz Junqueira era o também coronel Francisco Schmidt

Mas, se não teve destaque em cargos eletivos, o coronel Jo­aquim da Cunha Diniz Junquei­ra foi o principal chefe político de Ribeirão Preto até a derru­bada da Republica Velha pela revolução de outubro de 1930. No tempo dos coronéis (os títu­los militares eram honoríficos), o poder estava concentrado não na figura do prefeito (na época, um vereador escolhido entre seus pares), mas na do presi­dente do diretório municipal do Partido Republicano Paulista (PRP), agremiação conserva­dora da elite. Não havia, então, oposição organizada em parti­dos políticos.

Os embates entre Joaquim da Cunha Diniz Junqueira e seu maior adversário, o coronel Francisco Schmidt, ocorriam no âmbito do próprio PRP. A im­prensa se referia aos apoiadores do primeiro “rei do café” como “Partido Schmidt”. Durante esse período de briga que du­rou décadas, invariavelmente, o Coronel Quinzinho sempre ga­nhava. Joaquim da Cunha Diniz Junqueira assumiu a chefia do diretório municipal do PRP em 1902. Pelas três décadas seguin­tes, virtualmente monopolizou a política de Ribeirão Preto.

O “CHALET” do Coronel Quinzinho na esquina da
General Osório com Álvares Cabral, que na década
de 1930 deu lugar ao Edifício Diederichsen

Elegeu a maioria dos vere­adores, indicava qual seria o prefeito, fez do filho (Francisco Junqueira, que dá nome a uma das principais avenidas da ci­dade) vereador, presidente da Câmara, deputado estadual e secretário de Estado da Agri­cultura. O genro Jorge Lobato também foi parlamentar e pre­sidente do Legislativo. Outro genro, Altino Arantes, foi de­putado federal, secretário de Estado do Interior e governa­dor de São Paulo.

Ao contrário do grande ad­versário coronel Francisco Sch­midt, um alemão rude e semia­nalfabeto, Joaquim da Cunha Diniz Junqueira era um ho­mem refinado. Nascido em Ri­beirão Preto, em 1860, apenas quatro anos após a fundação oficial da cidade (19 de junho de 1856), foi um dos primeiros ribeirão-pretanos natos, mas teve tutores estrangeiros e viajou muito pela Europa.

FACHADA ATUAL do Edifício Diederichsen com
loja de calçados e em meados do século passado,
já com a choperia Pinguim no piso térreo

O poder do coronel Joa­quim da Cunha Diniz Junqueira perdurou até o início de 1930, quando ele teve uma doença grave, pouco antes da revolução que destronou o PRP. Faleceu aos 72 anos, em 14 de setembro de 1932, durante outra revolu­ção, a Constitucionalista.

O coronel Joaquim da Cunha Diniz Junqueira foi casado com Maria Emerenciana Junqueira. O casal teve os filhos Osório Jun­queira, Anna Junqueira Lobato (casada com Jorge Lobato), Ma­ria Gabriela Junqueira Arantes (casada com Altino Arantes) e Augusta Junqueira.

Ribeirão Preto foi tímida nas homenagens a seu filho ilustre: apenas inaugurou uma herma na praça XV de Novembro e deu seu nome a uma pequena praça que acabou desaparecendo – a antiga praça do Mercado Mu­nicipal, o “Mercadão”, que de­pois virou o terminal de ônibus “Antonio Achê”. Hoje o local é ocupado pelo Centro Popular de Compras. Por uma dessas ironias da história, ali ao lado fica a enorme praça Francisco Schmidt, homenagem a seu grande adversário.

TAMBÉM NO piso térreo do Edifício Diederichsen surgiu a cafeteria A Única, na esquina da Álvares Cabaral com a São Sebastião, no Centro

Pinguim nasceu na antiga sede do PRP
O sobrado que durante dé­cadas serviu de residência ao coronel Joaquim da Cunha Diniz Junqueira, o “Coronel Quinzinho”, e de sede do Diretório Municipal do Partido republicano Paulista (PRP), deu lugar ao Edifício Die­derichsen e no térreo, onde antes circulavam o coronel, seus fami­liares e correligionários, surgiu um estabelecimento que entraria para a história de Ribeirão Preto.
O Edifício Diederichsen ainda estava em fase de acabamento quando, no dia 29 de agosto de 1937, antes da inauguração ofi­cial do prédio, abriu suas portas um misto de bar e choperia, bati­zado de Snooker Pinguim, no tér­reo da esquina das ruas General Osório e Álvares Cabral. Come­çava ali uma história de sucesso que já tem mais de oito décadas.
O primeiro dono, conhecido como Alemão, ficou pouco tem­po à frente do negócio, assumido por Nicolás Miranda, que coman­dou o Pinguim por cerca de 20 anos. Na década de 1960, sob a nova administração de Albano Celini, a marca Pinguim começou a ganhar notoriedade nacional graças a qualidade de seu princi­pal produto – o chope Antarctica – e à lenda do “chopeduto”, que existiria entre a casa e a famosa Cervejaria Antarctica, a apenas algumas quadras de distância.
A primeira “cria” – então o Pinguim 2 – nasceu em 1977, exatamente na esquina defron­te, no atual Edifício Meira Júnior, ao lado do Theatro Pedro II. Em 1984 um novo grupo assumiu a choperia, que ampliou os horizontes da marca, abrindo filiais em shopping centers da cidade. Em 2006 o Pinguim rompeu os limites de Ribeirão Preto e chegou primeiro a Belo Horizonte, capital de Minas Ge­rais, e depois a Brasília (2015), no Distrito Federal.
Em 2009, o Pinguim original, conhecido como Pinguim 1, en­cerrou as atividades por causa do elevado investimento necessário para adequar o velho prédio da década de 1930 – tombado no mesmo ano pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turís­tico (Condephaat) e, em 2010, pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Artístico e Cultural de Ribeirão Preto (Conppac) – às rigorosoas normas da Vigilância Sanitária. Quando fechou, cha­mava–se Empório Pinguim e co­mercializava chope e souvenirs, deixando a cozinha de lado.
REPRODUÇÃO

Casa do líder deu lugar ao Edifício Diederichsen

Em março de 1934, a imprensa divulgou com entusiasmo a infor­mação de que o sobrado do coronel Joaquim da Cunha Diniz Junqueira, falecido dois anos antes, em 1932, tinha sido adquirido por Antônio Diederichsen, então proprietário do Banco Constructor.
Com localização privilegiada, na esquina das ruas General Osó­rio e Álvares Cabral, junto à praça XV de Novembro e a 50 metros do Theatro Pedro II (inaugurado em 8 de outubro de 1930), o velho so­brado do mítico líder do PRP seria demolido e daria lugar ao primeiro edifício de Ribeirão Preto – o Die­derichsen, em cujo térreo nasceu a mais famosa choperia do Brasil, o Pinguim.
Marco arquitetônico de Ribei­rão Preto, deixado em testamen­to para a Santa Casa de Misericór­dia, o Edifício Diederichsen ocupa toda a extensão do quarteirão, da esquina com a rua General Osório (embaixo nasceu o Pinguim) até a esquina da rua São Sebastião (onde surgiu a cafeteria A Única). Assim a imprensa da época noti­ciou o novo empreendimento:
“Um grande melhoramento no centro da cidade – Construcção de um palacete de seis andares na Praça 15, esquina da rua Alva­res Cabral até meio do quarteirão da rua São Sebastião: As 14 horas corria pela cidade a informação de que o Sr. Antonio Diederichsen, o estimado industrial, proprietario do Banco Constructor e das offici­nas mechanicas, havia adquirido o vasto terreno que existe na Praça 15, onde está o velho chalet do cel. Joaquim da Cunha Diniz Junqueira, fazendo esquina com a rua Alvares Cabral e subindo até a rua São Se­bastião, a ali avançando até o mea­do do quarteirão.
Esse enorme terreno e o chalet foram de facto adquiridos hontem pelo sr. Antonio Diederi­chesen, que, ao que consta, pa­gou a importância de 417 contos de réis. Esse facto fazia a principio duvidar. Procuramos os srs. Anto­nio Diederichsen e Manoel Penna, e a informação foi confirmada. Estavam os dois chefes do Banco Constructor no momento reco­lhidos ao escriptorio, palestrando em torno do contrato com o cons­tructor do predio, o sr. AntonioTer­reri, que seguirá hoje pela manhã de automovel para S. Paulo”.
O Edifício Diederichsen come­çou a ser construído em 1934 e foi inaugurado dois anos depois, em 20 de dezembro de 1936 – vai completar 82 anos. É considerado um símbolo do modernismo na ci­dade, pelo seu estilo “art déco”.
No primeiro e no segundo an­dares existem 118 salas comerciais e no terceiro e no quarto andares há 64 apartamentos. Ao todo são quatro mil metros quadrados de área construída.
Foi o primeiro arranha-céu da cidade e o segundo anterior, além de ter sido o primeiro prédio mul­tiuso do Estado de São Paulo – por reunir, no mesmo espaço, salas para comércio, serviços, habitação e hotelaria. Com seis pavimentos além do térreo, desde seu início teve uso misto, abrigando lojas, serviços, cinema, hotel, a cafeteria Única e o famoso Bar Pinguim.
Tem uma das fachadas volta­da para a Praça XV de Novembro, espaço público ligado à origem da cidade, no qual localiza-se o Quarteirão Paulista – conjunto harmônico de prédios em que es­tão instalados o Theatro Pedro II, o Edificío Meira Júnior e o Centro Cultural Palace, todos preserva­dos. No térreo, durante várias dé­cadas, esteve em funcionamento o Cine São Paulo, que tinha capa­cidade para 1,2 mil pessoas.

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