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O soldado João Bosco

No quartel da Polícia Militar localizado na avenida Cava­lheiro Paschoal Innecchi, em Ribeirão Preto, a tropa está em forma quando o sargento comandante de seu pelotão grita: “Soldado João Bosco?” Lá do meio, em posição de sentido, ouve-se a voz de retorno bem enérgica. Em forma, o sargen­to lhe passa uma ordem: “Apresente-se depois da formatura em minha sala, tenho um serviço pra você”. O soldado João Bosco responde: “Sim, senhor”.

E assim seguia a vida do policial militar João Bosco, que ao “reformar” teve graduações anexadas ao seu tempo de ser­viço, nem sei se ele hoje é sargento ou subtenente. Na época em que estava na ativa, poucos companheiros de serviço sa­biam quem ele era e o que fazia fora da Polícia Militar. Tudo isso faz mais de 25 anos.

Chegando em casa, o soldado João Bosco pendura sua farda no cabide, se banha, se perfuma e entra em cena outro personagem. “Caburé”, o artista, o cantor de voz forte, o violonista de invejável talento… Ele veste sua melhor camisa, cordão de ouro no pescoço, pulseira também de ouro, relógio show de bola no pulso, coloca sua beca impecável, apanha seu inseparável violão e já em seu carro lá vai Caburé, um dos maiores cantores que conheci. Tocava tão bem seu instru­mento que suas cordas falavam enquanto obedeciam aos comandos de dedilhado.

Já na cidade, suas companhias eram outras, sua presença era disputada por políticos famosos, fazendeiros, empresá­rios, músicos tinham por ele o maior respeito e admiração. Tive o privilégio de conviver com “Caburé” parte da minha vida, cantei muito com ele tocando seu violão. No CD “Gente cá da terra” ele gravou uma música minha e do Sócrates.

Sinto saudades enormes de quando, aos sábados à tardi­nha, nos reuníamos no Bar do Chorinho e a tarde invadia a noite, nós aboletados à mesa ouvindo suas histórias que trago guardadas na gaveta da minha memória. Vez em quando revisito-as como estou fazendo hoje. A vida boemia de “Ca­buré” tinha altos e baixos, seus gastos eram enormes, filhos crescendo, mas ele seguia tocando em frente.

Houve uma época em que, para se manter, começou a cantar em bares por pequenos cachês, dizia que a coisa estava preta. Um belo dia eu estava dando um rolê pelo calçadão, ao passar pelo Abel Garapeiro, ouvi alguém cha­mar: “Ô Buenão”. Virei e dei de cara com “Caburé”, fiquei admirando sua elegância, perfume importado, camisa Brooksfield, uma reluzente piteira que sempre adorou, suas pulseiras e cordão de ouro…

Ele foi logo se abrindo: “Buenão, agora estou numa boa”. Sorrindo, respondi: “Tô vendo, mesmo. E ele: “Estou de na­morada nova, moramos num enorme apartamento, no meu café da manhã tem até mamão papaia, Buenão. Ela me deu um banho de loja, o carro dela é zerado e tem muito amor no pedaço.” Perguntei como a conheceu, e ele explicou: “Onde eu ia cantar, ela estava lá, me aplaudindo, daí começamos a namorar e quando vi já estava em seu apê, mas com a condi­ção de que eu não mais cantasse na noite. Só pra ela. Estava resolvido a sossegar, então topei a parada”.

Nos despedimos e tempos depois, passando pelo Bar do Chorinho, vi numa mesa o velho “Caburé”. Não perdi a oportunidade de mais uma vez desfrutar de alguns momen­tos em sua companhia, mas logo vi que estava diferente da última vez que nos encontramos. Ele foi se abrindo: “Buenão, eu não entendo as mulheres. Conheci a última cantando e ela adorava, fomos morar juntos e depois não sei o que deu nela. Quando disse que queria voltar a cantar na noite, ela colocou as mãos na cintura e disse: ‘Ou eu ou a noite!’ É por isso que estou aqui, Buenão.”

Sexta conto mais.

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