Em 2006, aos 36 anos de idade, Telma Cândido da Costa, então moradora da cidade de Uberlândia, Minas Gerais, viveu uma desilusão amorosa após a separação do antigo companheiro, pai de seus três filhos: dois meninos e uma menina. Por conta, segundo ela, da desilusão e incentivada por amigos começou a consumir bebida alcoólica e a cheirar cocaína como forma de esquecer os problemas afetivos.
Daí para o vício foi fácil. Pouco tempo depois Telma não conseguia mais viver sem álcool e drogas, como o crack. O passo seguinte foi o rompimento familiar. Depois de deixar os filhos com a avó deles, mudou-se de Uberlândia para a Franca (SP), onde ficou por três anos até migrar para Ribeirão Preto.
Na nova cidade, apesar do vício, trabalhou por pequeno período em um hotel na região da Baixada. Quando tinha oportunidade utilizava o quarto em que morava para usar drogas com amigos.
Entretanto, o dono do estabelecimento descobriu os atos, a demitiu e ela acabou indo para o antigo Cetrem – Centro de Triagem e Encaminhamento do Migrante de Ribeirão Preto – , que naquele período funcionava no bairro Campos Elíseos, Zona Norte de Ribeirão Preto. Atualmente o Cetrem tem outro nome – Casa Travessia – e fica localizando no Jardim Salgado Filho I, também na Zona Norte.
Apesar da situação de vulnerabilidade e dependência química, Telma tinha um comportamento considerado gentil. Ela procurava e acabava realizando faxinas em vários locais. Foi em uma dessas ocasiões que acabou sendo contratada para trabalhar e morar na casa de uma senhora que viva sozinha.
Para usar drogas, ela juntava várias folgas no trabalho para ir às favelas que conhecia. Bebia e se entorpecia com os amigos que tinha feito durantes suas incursões pelas ruas da cidade. Mesmo com a dependência química, ela conseguiu manter o emprego até o dia em que a patroa morreu.
Quando ficou sem ter onde morar, Telma “caiu na vida” e passou a viver em tempo integral nas ruas, principalmente na região central e nos Campos Elíseos. Era conhecida dos outros moradores como Tia Telma. De tão popular que era, brincavam para que se candidatasse a vereadora.
Para esquecer os problemas e tentar sentir-se menos vulnerável, passou a beber e usar drogas ininterruptamente. Chegou a consumir vinte corotes de pinga por dia junto com outras drogas. Quando a pinga e o dinheiro acabavam, ia até algum posto de combustível, comprava álcool e misturava com algum suco. Bebia tanto que chegou a ficar trinta dias internada no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto por problemas causados pela bebida em seu estômago.
Companheiro e Mãos Dadas
Foi no Cetrem que ela conheceu Juninho, seu atual companheiro, também ex-dependente químico. Entretanto, na época, depois de muitas brigas, eles se separaram e Juninho acabou se internando em uma clínica de recuperação. Ao sair foi acolhido pela Organização Não Governamental (ONG) Projeto Mãos Dadas, que trabalha na reinserção de dependentes químicos (ver texto nesta página).
O reencontro com Telma só aconteceria em 2016, quando ele já recuperado decidiu procurá-la pela cidade. No primeiro contato ela preferiu continuar nas ruas. Mas, no dia 4 de janeiro de 2017, após ter o que classifica como “surto de consciência” e, segundo ela, fazer um reexame de sua vida, decidiu procurar ajuda.
Hoje, próximo de completar dois anos sem beber ou usar drogas, Telma tenta recomeçar. Os primeiros passos ela já deu. Retomou o relacionamento com Juninho, arrumou um emprego e junto com ele alugou uma casa no Jardim Paiva, Zona Oeste de Ribeirão Preto.
Em 2018, doze anos após perder o contato com a família em Uberlândia, também decidiu procurar a mãe e os três filhos. Depois do reencontro trouxe a filha de 16 anos para morar com ela. Apesar de comemorar as vitórias, Telma sabe que sua batalha para não ter uma recaída e voltar ao álcool e as drogas é diária. “Minha mãe me educou para ser trabalhadora e honesta. É isso o que quero”, diz.
Projeto mudando Vidas
O projeto Mudando Vidas nasceu em 2014 quando seu fundador Ricardo Rogério Tostes se internou em uma Comunidade Terapêutica por um período de seis meses e constatou que o encaminhamento pós-tratamento era inexistente, o que fazia o recuperando voltar para as drogas e para as ruas.
Foi ai que nasceu o Projeto Mudando Vidas – Casa Apoio como ficou conhecida, para dar suporte aos acolhidos que terminavam o tratamento e que não tinham para onde ir e tentar recomeçar a vida.
A Casa Apoio foi montada antes mesmo de Ricardo terminar o tratamento. Em dezembro de 2017, ele assumiu em tempo integral o projeto dando auxilio aos acolhidos que lá chegavam de reinserção social e que terminavam o tratamento nas comunidades terapêuticas.
Entre os trabalhos desenvolvidos estão o abrigo – moradia – temporária, o encaminhamento para retirada de documentos e a ajuda dos internos na busca por um emprego. Vale lembrar que no caso da Telma a ONG ajudou doando móveis para a residência do casal.
Levantamento recente da Secretaria de Assistência Social de Ribeirão Preto revelou que existem na cidade 3.900 moradores em situação de rua cadastrados.
História vai fazer parte de livro
A história de Telma e de outras mulheres alcoólatras virou tema de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo. Elaborada e escrita pelas formandas Bárbara Gil Marques e Vanessa Nagayoshi, a obra “A Ressaca – Histórias de mulheres alcoólatras”, narra de forma realista a história delas e as especificidades física, biológica e psicológica das que acabam no alcoolismo e nas drogas. Outro motivo pretendido é quebrar o tabu na abordagem sobre mulheres alcoólatras.
Segundo uma das autoras, Bárbara Marques, a escolha do tema do TCC também teve um ingrediente pessoal. Seu pai é dependente químico e depois de dezesseis anos limpo acabou tendo uma recaída.
O TCC aborda ainda, a dependência cruzada. Ou seja, a do álcool com outras drogas. Segundo Bárbara, evita fazer uma abordagem romanceada do assunto e pretende deixar claro que a luta dos dependentes químicos para continuarem sóbrios é diária. A apresentação do trabalho para a banca examinadora será no dia 5 de dezembro. Depois deverá ser transformado em livro.