Se o atual governo brasileiro, capitaneado por Guedes/Bolsonaro, tivesse o mínimo de responsabilidade política, ele faria uma leitura, pelo menos sensata, dos últimos acontecimentos que vêm do cone sul. Estou falando aqui do uníssono “não” gritado nas ruas e nas urnas contra a reedição tardia de uma política econômica neoliberal que historicamente tem sido responsável por uma ainda maior concentração de capital, além de mais desemprego, fome e todo tipo de infelicidade para as famílias.
As urnas reservaram uma acachapante derrota para o presidente Macri, da Argentina, e enterraram de vez a sua tentativa de fazer ressurgir as tais medidas de austeridade que somente sacrificam mesmo os mais pobres, já que os mais ricos sempre as exigem e as aplaudem. É tão contundente o recado do povo argentino para nós que Bolsonaro se recusa a cumprimentar o novo presidente eleito, Alberto Fernández. O processo de contaminação vinda de fora já acendeu o sinal vermelho dos bolsonaristas e de outros grupos conservadores.
No Uruguai, a Frente Ampla, de esquerda, saiu vitoriosa no primeiro turno e mostrou o acerto da política econômica ali adotada nos últimos 12 anos. A dificuldade maior aqui é um certo vacilo dos últimos governos em atacar de frente o problema da segurança, além das dificuldades no aprofundamento das reformas econômicas de viés mais popular. Mas o Uruguai de Pepe Mujica segue sendo exemplo de democracia com justiça social, graças principalmente aos governos de esquerda.
Na Bolívia, a população já mostra um certo cansaço com o longo mandato de Evo Morales, mas a sua vitória, mesmo contestada pela oposição de direita, foi uma clara resposta positiva à política econômica e social que retirou o povo deste país da extrema miséria e deu um alento nunca visto à sua sociedade. A economia boliviana foi a que mais cresceu nos últimos dez anos e graças ao governo democrático, popular e indígena de Morales.
Mas o caso do Chile é emblemático. A vitrine dos chicago boys na América Latina, exemplo que Guedes e sua tropa querem nos fazer engolir, desmoronou como um castelo de areia.
Manifestações gigantescas em Santiago e outras cidades já exigem agora a saída de Piñera. Sua política neoliberal vem da época da ditadura de Pinochet, e os chicago boys foram seus pioneiros, antecipando no Chile em quase uma década medidas que só mais tarde seriam adotadas por Thatcher no Reino Unido. Ditadura e neoliberalismo é o sonho da milícia verde-amarela de Bolsonaro.
De tudo isso precisamos tirar algumas lições. Tomo o caso da Argentina em particular. O encerramento do ciclo neoliberal que legou a Argentina a uma realidade catastrófica, é uma boa notícia para o seu próprio povo, como também para os povos de toda América Latina.
Enquanto em alguns países o conflito social tem se desdobrado em convulsões sociais, como no Chile e no Equador, na Argentina o conflito foi democraticamente canalizado para as eleições.
O jornalista argentino Martín Granovsky, editor do Página 12, reconhece que Cristina Kirchner teve a lucidez que garantiu a unidade decisiva para a vitória da Frente de Todos. Na visão dele, houve um avanço em relação ao passado de fragmentação do peronismo e do campo progressista. A unidade popular e democrática foi a forte marca das últimas eleições na Argentina. Que sirva de exemplo para nós aqui no Brasil.
Martin destaca que no discurso no ato de comemoração da Frente de Todos, a vice-presidente eleita fez um apelo pela preservação e aprofundamento dessa unidade conquistada: “tenhamos em conta que não podemos voltar a perder a unidade, porque quando perdemos a unidade nos derrotamos”, ele lembrou. E podemos acrescentar: essa unidade deve ser até internacional. Os próprios argentinos já se anteciparam com as manifestações de “Lula libre” misturadas às manifestações da vitória de Fernández. O próprio Fernández não deixou por menos, para a ira e ódio dos lavajatistas. O recado vindo do sul está aí. E foi muito bem dado.